sexta-feira, 25 de março de 2016

A Terapia Comunitária Integrativa no enfrentamento da violência, dependência e estresse

Por Adalberto Barreto

Palavras de abertura do VIII Congresso Brasileiro e V Congresso Internacional de Terapia Comunitária Integrativa, Ouro Preto, MG, 16 a 19 de setembro de 2015. Centro de Convenções da Universidade Federal de Ouro Preto.
Nós Terapeutas Comunitários do Brasil e de outros países, estamos nos reunindo pela oitava vez, para refletirmos sobre nossas ações e compartilharmos nossas experiências. Desta vez, teremos como tema central uma reflexão sobre a Terapia Comunitária Integrativa no enfrentamento da violência, dependência e estresse.
Todo ser humano nasce incompleto e por isso, necessita do outro para viver. Esta falha inata, que podemos chamar de “precariedade sadia”, é o motor da construção dos vínculos inter-humanos, familiares e sociais. «Os seres humanos, livres e iguais em direito, nascem e permanecem precários ao longo de suas vidas, a medida em que eles absolutamente precisam dos outros para viverem.»
(1) Esta precariedade saudável nos lembra que precisamos ser protegidos em nossa fragilidade, acolhidos com afeto, respeitados em nossa singularidade, reconhecidos em nossa diferença, apoiados em nossa ação, valorizados pelo que somos e não pelo que produzimos.
O crescimento econômico, defendido pela Política neoliberal, é obtido atualmente por meios pouco humanos, que causam imensos sofrimentos; tem destruído recursos socioculturais, e tornado as pessoas mais dependentes e menos autônomas; tem fragilizado os princípios da vida: a confiança em si mesmo, nos outros e no futuro, bem como, provocado o empobrecimento da capacidade de agir.
(2) A política neoliberal que domina o mundo pela sua avidez, pelo lucro, não oferece nenhum horizonte social promissor e tem provocando efeitos psicossociais graves na sociedade. Tem se tornado numa máquina de excluir e concentrar riquezas, aumentando o número de pobres e os excluindo da partilha de bens, gerando frustrações e violências.
Pelo excesso de competitividade e de avidez de lucros, da pilhagem e da contaminação dos recursos naturais indispensáveis à vida, essa ideologia, atinge os indivíduos, a família e os grupos humanos. Tudo isso tem ocasionado fraturas nos vínculos humanos e fragilizando-os em um contexto marcado pela competitividade, desconfiança e insegurança, gerando uma “precariedade pervertida”, “negativa”, agravando o quadro da saúde mental.
Precisamos estar atentos, como cuidadores, para não transformarmos a “precariedade saudável” em “precariedade doentia”, agravando o quadro de desespero, gerando sofrimentos. Se na vida saudável já precisamos uns dos outros, na doença e no sofrimento, precisamos ainda mais. Na doença, o individuo fica ainda mais vulnerável, gerando uma total dependência do cuidador, que pode infligir ao paciente um sofrimento ainda maior do que sua própria doença.
Por isso, nós Terapeutas Comunitários, precisamos estar atentos para não gerar uma precariedade doentia que transforma o outro em um objeto de nossa intervenção. É verdade que o cuidado se situa no campo da precariedade, da vulnerabilidade. Não podemos esquecer que cada participante da Roda de TCI é um parceiro ativo e que ele dispõe de recursos pessoais, familiares e culturais de suma importância em seu processo de superação das dificuldades.
Descobrimos que a precariedade, está também em nossos modelos, em nossa visão de mundo. É a consciência destas limitações, que nos leva a pedirmos apoio aos colegas, a termos uma ação interdisciplinar e nos cuidarmos. Dai porque os congressos oferecem oportunidades para nos enriquecermos com a experiência de outros colegas em outros contextos.
Numa sociedade cada vez mais individualista e excludente, provoca efeitos psicossociais, que comprometem simultaneamente o individuo e o vínculo social e atingem a saúde mental de todos. Uma sociedade que exclui e impede as pessoas de exercer suas potencialidades naturais e culturais, tornando-as mais frágeis, vulneráveis e dependentes.
Este sentimento de incapacidade, de descrença em seus próprios potenciais reforça a marginalização dos indivíduos dentro do corpo social e os conduz a auto-boicotes e violências fratricidas. Este contexto tem forte potencialidade a tornar os humanos enlouquecidos pela angustia e incertezas no que se refere aos vínculos sociais e atinge as bases simbólicas das culturas e das pessoas.
Somos uma pluralidade étnica afro-indígena-europeu-asiática. Esta pluralidade é uma riqueza para toda a sociedade brasileira. Querer impor apenas uma maneira de ver e cuidar seria de uma pobreza imensa. Talvez o espírito predador do colonizador ainda precisa ser trabalhado, quando pretendemos acolher o sofrimento do outro.
A maioria das vezes, a relação de ajuda é baseada numa relação vertical onde ha um especialista que doa e um indivíduo que recebe. Ora, esta atitude priva o profissional da extraordinária riqueza do saber adquirido pela experiência de vida de cada um, sobretudo daquela pessoa que vive grande dificuldade.
Paulo Freire, no campo da educação, (3) nos lembra que toda aprendizagem é uma construção comum e que não se pode realmente aprender, se não aprendemos alguma coisa com o outro. Nossa experiência com a Terapia Comunitária Integrativa nos mostra que ocorre a mesma coisa na relação de ajuda. Na arte de cuidar como na arte de educar, existe uma circularidade.
Eu ensino e eu aprendo com o outro. Neste momento de partilha de experiência vamos guardar a simplicidade como vetor destes encontros. A Complicação é um instrumento de poder, que deseja impor sua superioridade afirmando que seu saber é tão complexo que o outro deve submeter a si. A simplicidade nos permite abandonar, se livrar do poder sobre os outros para poder ser com os outros.
A simplicidade nos permite resgatar o essencial – ‘menos papel em torno do bombom’. Precisamos encontrar em cada um de nós a criança interior, resgatar a sabedoria tradicional de nossos antepassados. Teorizar pouco e sempre a partir da experiência vivenciada. A aprendizagem não consiste em acrescentar complexidade aos conhecimentos, mas ao contrário, desnudar-se.
Desejo a cada congressista, que aproveite esta oportunidade para agregar valor a sua prática. Estamos reunidos para compartilhar experiências do que se vive e não impor aos outros o que se sabe.
Fortaleza, 27 de agosto 2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário