Em 2007, o prof. Adalberto Barreto concedeu uma entrevista à Rede Nacional de Mobilização Social, sobre a Terapia Comunitária. Ela pode ser acessada no seguinte link:
http://www.coepbrasil.org.br/portal/publico/apresentarConteudo.aspx?CODIGO=C200832920140625&TIPO_ID=3
O Blog do MISC-PB,Movimento Integrado de Saúde Comunitária da Paraíba é um lugar de comunicação entre os terapeutas comunitários do Estado. Veicula informações sobre atividades como encontros, seminários temáticos, formações, publicações, relacionados com a Terapia Comunitária Integrativa no estado da Paraíba e no Brasil.
domingo, 3 de outubro de 2010
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Resiliência, quando a carência gera competência
Toda carência gera uma competencia. A resiliência, um dos pilares básicos em que se apóia a Terapia Comunitária, se refere ao saber que a pessoa adquire ao longo da sua vida, pela experiência, a luta, as vitórias sobre dores que poderiam te-la quebrado ou, de fato, a quebraram durante anos.
Quando a pessoa emerge vitoriosa do processo de estranhamento de si mesma, quando ela recupera a sua autoestima, aprende que ela é alguém de valor sem igual na sua vida, alguém que por ter vencido todas as batalhas que se apresentaram até o momento atual, é dona de um saber e de um poder que nada deve a ninguém, mas apenas a si mesma.
Tendemos a valorizar em demasia algo que lemos, uma ajuda que recebemos, alguma pessoa ou muitas, a quem atribuimos valor enorme na nossa vida. Mas sem a nossa decisão de vencer, teriamos sucumbido. As pessoas do meio popular valorizam muito o saber aprendido na escola da vida.
A Terapia Comunitária reforça esta atribuição de valor, enfatizando que cada um é doutor na sua própria experiência. Saber que se aprende nos livros e nas escolas, o saber técnico-científico, na substitui mas se complementa com o saber experiencial, o que foi adquirido no dia a dia, ao longo dos anos, na luta contra circunstâncias adversas, quer seja na família, a primeira escola de cada um, quer na escola ou no trabalho, na vizinhança, nas distintas esferas sociais de atuação.
A pessoa resiliente valoriza os gestos de ajuda que recebeu e recebe ao longo da vida. Ela se nutre da generosidade, da infinidade de atos de amor que a acolheram e ampararam ao longo das vicissitudes que teve de atravessar. Ela sabe que cada um, cada ser humano, é a soma de infindáveis atos e gestos de colaboração que deram por resultado o ser que cada um de nós é agora.
A vida adquire um valor inestimável desde esta perspectiva, em que tudo que somos reúne os nossos ancestrais, os amigos que fomos tendo nas distintas etapas da vida, as lutas que tivemos que enfrentar, os ambientes e experiências adversos pelos que tivemos que atravesar, as vitórias que nos foi dado obter. Somos uma soma de atos de amor.
A pessoa resiliente sabe disto, e age em conseqüência, valorizando cada pequena coisa. É comum em famílias de imigrantes ou pessoas que sofreram necessidades como fome ou escassez, valorizar uma migalha de pão, uma gota de água, um pedaço de comida, um olhar de compreensão, uma escuta calorosa e atenta.
Quando a pessoa se vê na trama da vida, na teia da vida, como costumamos dizer na Terapia Comunitária, ela não dispensa nada, e o que a faz sofrer a faz crescer. Ela descobre isto na sua formação como terapeuta comunitário, quando reconhece o processo do qual é resultado. Si se sentiu abandonada, não querida, torna-se amorosa, sensível ä dor alheia, capaz de se doar sem nada esperar, sabendo da alegria de poder se integrar amorosamente na vida dos outros.
Se foi problema, tende a ser solução. Se se sentiu um estorvo, sabe acolher. No processo de se tornar terapeuta comunitário, a pessoa aprende a se tornar cada vez mais autônima, mas senhora de si, na medida em que sai do papel de vitima para o de vencedor. A complementação do saber científico com o experiencial, oriundo da vida e das vivências que cada pessoa passou e passa, cria essa capacidade resiliente que torna o individuo forte naquilo em que foi mais débil.
É a transformação da fraqueza em força, e cada ser humano é capaz de descobrir e descobre que isto ocorre na vida de cada pessoa. Neste sentido, pode-se dizer que é a vitória do ser humano sobre a adversidade. Eterna epopéia infindável em que todos estamos involucrados, e que não termina enquanto há vida.
Quando a pessoa emerge vitoriosa do processo de estranhamento de si mesma, quando ela recupera a sua autoestima, aprende que ela é alguém de valor sem igual na sua vida, alguém que por ter vencido todas as batalhas que se apresentaram até o momento atual, é dona de um saber e de um poder que nada deve a ninguém, mas apenas a si mesma.
Tendemos a valorizar em demasia algo que lemos, uma ajuda que recebemos, alguma pessoa ou muitas, a quem atribuimos valor enorme na nossa vida. Mas sem a nossa decisão de vencer, teriamos sucumbido. As pessoas do meio popular valorizam muito o saber aprendido na escola da vida.
A Terapia Comunitária reforça esta atribuição de valor, enfatizando que cada um é doutor na sua própria experiência. Saber que se aprende nos livros e nas escolas, o saber técnico-científico, na substitui mas se complementa com o saber experiencial, o que foi adquirido no dia a dia, ao longo dos anos, na luta contra circunstâncias adversas, quer seja na família, a primeira escola de cada um, quer na escola ou no trabalho, na vizinhança, nas distintas esferas sociais de atuação.
A pessoa resiliente valoriza os gestos de ajuda que recebeu e recebe ao longo da vida. Ela se nutre da generosidade, da infinidade de atos de amor que a acolheram e ampararam ao longo das vicissitudes que teve de atravessar. Ela sabe que cada um, cada ser humano, é a soma de infindáveis atos e gestos de colaboração que deram por resultado o ser que cada um de nós é agora.
A vida adquire um valor inestimável desde esta perspectiva, em que tudo que somos reúne os nossos ancestrais, os amigos que fomos tendo nas distintas etapas da vida, as lutas que tivemos que enfrentar, os ambientes e experiências adversos pelos que tivemos que atravesar, as vitórias que nos foi dado obter. Somos uma soma de atos de amor.
A pessoa resiliente sabe disto, e age em conseqüência, valorizando cada pequena coisa. É comum em famílias de imigrantes ou pessoas que sofreram necessidades como fome ou escassez, valorizar uma migalha de pão, uma gota de água, um pedaço de comida, um olhar de compreensão, uma escuta calorosa e atenta.
Quando a pessoa se vê na trama da vida, na teia da vida, como costumamos dizer na Terapia Comunitária, ela não dispensa nada, e o que a faz sofrer a faz crescer. Ela descobre isto na sua formação como terapeuta comunitário, quando reconhece o processo do qual é resultado. Si se sentiu abandonada, não querida, torna-se amorosa, sensível ä dor alheia, capaz de se doar sem nada esperar, sabendo da alegria de poder se integrar amorosamente na vida dos outros.
Se foi problema, tende a ser solução. Se se sentiu um estorvo, sabe acolher. No processo de se tornar terapeuta comunitário, a pessoa aprende a se tornar cada vez mais autônima, mas senhora de si, na medida em que sai do papel de vitima para o de vencedor. A complementação do saber científico com o experiencial, oriundo da vida e das vivências que cada pessoa passou e passa, cria essa capacidade resiliente que torna o individuo forte naquilo em que foi mais débil.
É a transformação da fraqueza em força, e cada ser humano é capaz de descobrir e descobre que isto ocorre na vida de cada pessoa. Neste sentido, pode-se dizer que é a vitória do ser humano sobre a adversidade. Eterna epopéia infindável em que todos estamos involucrados, e que não termina enquanto há vida.
terça-feira, 6 de julho de 2010
A teoria da comunicação humana, um dos pilares da Terapia Comunitária
A teoria da comunicação humana é um dos pilares básicos da terapia comunitária. Formulada por Watzlawick, Helmick-Beavin e Jackson, permite compreender a ação humana como um comportamento em que são transmitidas mensagens. Toda a conduta humana é transmissora de mensagens, inclusive quando nos propomos a não comunicar, estamos dizendo algo: você não existe, você não me importa, você não é de nada. Bem dizem que o contrário do amor não é o ódio, mas a denegação. Na terapia comunitária, aprendemos que uma pessoa deixa de ter sentido ou passa a ser ignorada deliberadamente, e isto acarreta conseqüências para a sua auto-estima, para a noção de si, para o seu modo de ser e de se comportar no mundo.
Uma criança que não foi desejada, desde o ventre materno soube disso, e veio ao mundo preparada para ter que agradar, para dizer que sim o tempo todo, para aceitar qualquer coisa em troca de um pouco de afeto. Uma que foi querida desde a conceição, ao contrário, é capaz de dizer sim quando quer, e não quando não quer. Estas constatações aparentemente muito simples, permitem com que a pessoa comece a ver a si própria desde outro lugar, desde uma possibilidade de auto-conhecimento autêntico, sem enganos, verdadeiro.
Muitas vezes, nas terapias ou nas formações de terapeutas comunitários, os participantes são levados a descobrirem as falsas imagens que fizeram de si mesmos, e que os tem aprisionado durante a vida toda, ou por longos períodos de tempo. Quando a pessoa começa a se perceber como alguém que venceu muitas batalhas, alguém que soube dar a volta por cima em circunstâncias que poderiam tê-la quebrado ou desviado do seu caminho, o conceito de si começa a emergir de uma maneira positiva. O sujeito se descobre capaz de direcionar sua própria vida, de dar um significado ao seu existir, de decidir o que quer que seja o seu próprio ser. “O que você quer para eu querer” (a criança ou a pessoa boazinha). “O que você quer para eu não querer” (o rebelde ou contestatário) são prisões em que a pessoa deixa de ser ela mesma, perde a sua liberdade, age por automatismos.
Quando aprendemos a decodificar as primeiras mensagens e a lê-las ao nosso favor, quebram-se os determinismos da nossa vida. Se alguém se sentiu abandonado, não querido, porque foi esperado menina e era menino, ou o contrário, isto determinou reações que estiveram fora do seu controle, da sua capacidade de decidir. Agiu durante anos contra o mundo, contra as pessoas, por vingança: não me quiseram, não os quero. Muitos comportamentos agressivos estão animados por uma reação de quem se sentiu não querido, não amado.
Muitas vezes a agressividade vai direcionada contra a própria pessoa, que passa a conviver com um tirano interno, um sabotador da sua felicidade e do seu direito a viver com alegria e segundo sua maneira única e irrepetível, no meio aos outros. Nas formações de terapeutas comunitários, um dos exercícios é a descoberta do animal com que cada um se identifica. Formam-se grupos e os coleguinhas que escolheram o mesmo animal, trocam figurinhas a respeito de si mesmos, dos seus modos de ser característicos.
Isto faz com que cada um descubra sua natureza mais comum ou freqüente, suas formas habituais de ser e de se comportar. Então, a pessoa deixa de se condenar e de se comparar com os outros, descobre sua forma única de ser, e a aceita. As mensagens recebidas (fui abandonado, não me quiseram) são re-codificadas em função do contexto interpretativo que a interpretação sistêmica e integrativa propõe, com base nos valores dos pais e da cultura em volta, e das escolhas próprias a pessoa. O que se aprende na terapia comunitária, em termos da comunicação, é a sair ou tentar quebrar as armadilhas da comunicação paradoxal, do duplo vínculo e das distorsões das mensagens equívocas que emitimos ou recebemos. “Carta certa para pessoa errada”, é quando emitimos uma mensagem que é correta no seu conteúdo, mas está sendo direcionada a quem não tem nada a ver.
Quando a reação é desproporcionada ao fato, estamos reagindo não ao fato, mas ao que ele nos remete. Estas chaves nos dão elementos para irmos re-programando a nossa conduta desde uma visão mais atual, mais presente, menos condicionada pelo passado. O passado é visto como o estrume necessário para o crescimento da planta. O presente desponta como um tempo novo, livre de amarras. O empoderamento das pessoas e das comunidades depende em boa medida da decodificação e re-codificação de mensagens recebidas e emitidas.
http://www.consciencia.net/a-teoria-da-comunicacao-humana-um-dos-pilares-da-terapia-comunitaria/
Uma criança que não foi desejada, desde o ventre materno soube disso, e veio ao mundo preparada para ter que agradar, para dizer que sim o tempo todo, para aceitar qualquer coisa em troca de um pouco de afeto. Uma que foi querida desde a conceição, ao contrário, é capaz de dizer sim quando quer, e não quando não quer. Estas constatações aparentemente muito simples, permitem com que a pessoa comece a ver a si própria desde outro lugar, desde uma possibilidade de auto-conhecimento autêntico, sem enganos, verdadeiro.
Muitas vezes, nas terapias ou nas formações de terapeutas comunitários, os participantes são levados a descobrirem as falsas imagens que fizeram de si mesmos, e que os tem aprisionado durante a vida toda, ou por longos períodos de tempo. Quando a pessoa começa a se perceber como alguém que venceu muitas batalhas, alguém que soube dar a volta por cima em circunstâncias que poderiam tê-la quebrado ou desviado do seu caminho, o conceito de si começa a emergir de uma maneira positiva. O sujeito se descobre capaz de direcionar sua própria vida, de dar um significado ao seu existir, de decidir o que quer que seja o seu próprio ser. “O que você quer para eu querer” (a criança ou a pessoa boazinha). “O que você quer para eu não querer” (o rebelde ou contestatário) são prisões em que a pessoa deixa de ser ela mesma, perde a sua liberdade, age por automatismos.
Quando aprendemos a decodificar as primeiras mensagens e a lê-las ao nosso favor, quebram-se os determinismos da nossa vida. Se alguém se sentiu abandonado, não querido, porque foi esperado menina e era menino, ou o contrário, isto determinou reações que estiveram fora do seu controle, da sua capacidade de decidir. Agiu durante anos contra o mundo, contra as pessoas, por vingança: não me quiseram, não os quero. Muitos comportamentos agressivos estão animados por uma reação de quem se sentiu não querido, não amado.
Muitas vezes a agressividade vai direcionada contra a própria pessoa, que passa a conviver com um tirano interno, um sabotador da sua felicidade e do seu direito a viver com alegria e segundo sua maneira única e irrepetível, no meio aos outros. Nas formações de terapeutas comunitários, um dos exercícios é a descoberta do animal com que cada um se identifica. Formam-se grupos e os coleguinhas que escolheram o mesmo animal, trocam figurinhas a respeito de si mesmos, dos seus modos de ser característicos.
Isto faz com que cada um descubra sua natureza mais comum ou freqüente, suas formas habituais de ser e de se comportar. Então, a pessoa deixa de se condenar e de se comparar com os outros, descobre sua forma única de ser, e a aceita. As mensagens recebidas (fui abandonado, não me quiseram) são re-codificadas em função do contexto interpretativo que a interpretação sistêmica e integrativa propõe, com base nos valores dos pais e da cultura em volta, e das escolhas próprias a pessoa. O que se aprende na terapia comunitária, em termos da comunicação, é a sair ou tentar quebrar as armadilhas da comunicação paradoxal, do duplo vínculo e das distorsões das mensagens equívocas que emitimos ou recebemos. “Carta certa para pessoa errada”, é quando emitimos uma mensagem que é correta no seu conteúdo, mas está sendo direcionada a quem não tem nada a ver.
Quando a reação é desproporcionada ao fato, estamos reagindo não ao fato, mas ao que ele nos remete. Estas chaves nos dão elementos para irmos re-programando a nossa conduta desde uma visão mais atual, mais presente, menos condicionada pelo passado. O passado é visto como o estrume necessário para o crescimento da planta. O presente desponta como um tempo novo, livre de amarras. O empoderamento das pessoas e das comunidades depende em boa medida da decodificação e re-codificação de mensagens recebidas e emitidas.
http://www.consciencia.net/a-teoria-da-comunicacao-humana-um-dos-pilares-da-terapia-comunitaria/
sábado, 26 de junho de 2010
Las raíces histórico-sociales y culturales en la formación del terapeuta comunitario y en el ejercicio de su práctica
El conocimiento vivencial, no sólo intelectual o informativo, de las matrices valorativas y de los procesos histórico-sociales de los pueblos latinoamericanos, es imprescindible para el autoconocimiento del terapeuta comunitario, tanto como para su ejercicio profesional. Esto es obvio, si se tiene en cuenta que en el proceso formativo, el terapeuta fue llevado a un intenso sumergirse en sí mismo, y allí, encontró sus padres, sus abuelos, sus orígenes, el lugar donde nació, sus experiencias de niño, reconstruyó su vida paso a paso, en un reencuentro fecundo con las experiencias que lo moldearon en las diferentes etapas de su vida.
Entonces se reconoció como parte de un pueblo, con sus luchas, sus avatares, los sueños, esperanzas, dolores y alegrías de ser latinoamericano, del modo como puede serlo quien nació y vivió en estas tierras marcadas por la colonización española y el mestizaje con las culturas indígenas, los neocolonialismos, el imperialismo, las dictaduras, los movimientos de liberación nacional, el socialismo, el bolivarianismo, el marxismo, las distintas ideologías nacionales y locales, en la conformación del mosaico de identidades que forman el rostro plural de nuestra América Latina.
Ser latinoamericano en Argentina, en Uruguay, en Chile o en Venezuela, como en los otros países que forman nuestra América, supone desafíos que todos, de un modo o de otro, llevamos marcados en la mente y en el corazón. Si el terapeuta comunitario es, como dice Adalberto Barreto, un políglota en su propia cultura, sabemos que esto significa, para cada uno de nosotros, un arduo camino de honestidad consigo mismo, para reconocer, en la vida y en el caminar de cada uno, errores y aciertos, en ese permanente aprender que es la vida.
Conocer las hablas del pueblo, sus formas de expresión, sus refranes, sus valores, sus creencias, sus vicios y defectos, sus alegrías y esperanzas, es transformarse uno mismo, en espejo y reflejo de una realidad de que somos parte indisociable. Es reconocerse en el habla, en la cara, en la voz, en las voces, en los acentos, en las tonadas, en las risas, en los llantos, en las oraciones y meditaciones, en las reflexiones, en el luto en la paz y en el silencio del otro, de los otros, que ya no son tan otros, sino más bien nosotros.
Quien tiene hoy alrededor de cincuenta años en nuestra región, ha pasado por tiempos comunes, que es necesario mapear. Recordar individual y colectivamente las canciones, los hechos, los dichos, las caras, los sueños, las esperanzas y las pesadillas sucedidas en las tierras de cada uno, año a año, o por décadas. Es impresionante la memoria que se recupera en estos ejercicios. Tengo certeza de que ya lo han hecho. Y tendremos que hacerlo, lo seguiremos haciendo siempre. Es un ejercicio infinito, incesante. O te alienas, o recuerdas. Si no te acuerdas, te desconectas, dejas de existir en el presente, te transformas en una abstracción. Y ninguno de nosotros es un hombre o una mujer genéricos, como dice José Comblin.
Todos somos alguien con una identidad, una memoria, unos valores, individuales y al mismo tiempo sociales, en parte compartidos y en parte únicos, como dice Ralph Linton en Estudio del hombre (Study of man). Otro antropólogo, Martin Buber (Yo y tu), así como Peter Berger, Karl Marx, Jesús Cristo, nos colocan frente a la evidencia de que sin ti no soy nada. Y esto no es una declaración de amor, sino un hecho. Me construyo en relación, y también, puedo destruírme en malas relaciones. Esto es lo que la terapia comunitaria define como el principio sanador de esta dinámica de vida que consiste en vivir en red. Sano al sanar contigo. Como no me enfermo sólo, tampoco me sano solo. Y juntos nos sanamos, o mejor, prevenimos el sufrimiento emocional, el aislamiento, el anonimato, la pérdida de identidad, la soledad, la alienación.
Identidad, memoria, historia, valores, raíces, pertenencia. De esto trata la Antropología cultural, como una de las bases o pilares de la Terapia Comunitaria.
El terapeuta comunitario es un hombre o una mujer de su tiempo. Conoce las raíces de su pueblo por conocerlas en sí mismo, y por vivir en red, se incorpora al proceso constante de la vida que, en relación conflictiva, progresa constantemente hacia ideales más elevados de justicia, fraternidad, solidaridad, cooperación, y realización plena de cada uno, en medio y con respeto a las diferencias.
Entonces se reconoció como parte de un pueblo, con sus luchas, sus avatares, los sueños, esperanzas, dolores y alegrías de ser latinoamericano, del modo como puede serlo quien nació y vivió en estas tierras marcadas por la colonización española y el mestizaje con las culturas indígenas, los neocolonialismos, el imperialismo, las dictaduras, los movimientos de liberación nacional, el socialismo, el bolivarianismo, el marxismo, las distintas ideologías nacionales y locales, en la conformación del mosaico de identidades que forman el rostro plural de nuestra América Latina.
Ser latinoamericano en Argentina, en Uruguay, en Chile o en Venezuela, como en los otros países que forman nuestra América, supone desafíos que todos, de un modo o de otro, llevamos marcados en la mente y en el corazón. Si el terapeuta comunitario es, como dice Adalberto Barreto, un políglota en su propia cultura, sabemos que esto significa, para cada uno de nosotros, un arduo camino de honestidad consigo mismo, para reconocer, en la vida y en el caminar de cada uno, errores y aciertos, en ese permanente aprender que es la vida.
Conocer las hablas del pueblo, sus formas de expresión, sus refranes, sus valores, sus creencias, sus vicios y defectos, sus alegrías y esperanzas, es transformarse uno mismo, en espejo y reflejo de una realidad de que somos parte indisociable. Es reconocerse en el habla, en la cara, en la voz, en las voces, en los acentos, en las tonadas, en las risas, en los llantos, en las oraciones y meditaciones, en las reflexiones, en el luto en la paz y en el silencio del otro, de los otros, que ya no son tan otros, sino más bien nosotros.
Quien tiene hoy alrededor de cincuenta años en nuestra región, ha pasado por tiempos comunes, que es necesario mapear. Recordar individual y colectivamente las canciones, los hechos, los dichos, las caras, los sueños, las esperanzas y las pesadillas sucedidas en las tierras de cada uno, año a año, o por décadas. Es impresionante la memoria que se recupera en estos ejercicios. Tengo certeza de que ya lo han hecho. Y tendremos que hacerlo, lo seguiremos haciendo siempre. Es un ejercicio infinito, incesante. O te alienas, o recuerdas. Si no te acuerdas, te desconectas, dejas de existir en el presente, te transformas en una abstracción. Y ninguno de nosotros es un hombre o una mujer genéricos, como dice José Comblin.
Todos somos alguien con una identidad, una memoria, unos valores, individuales y al mismo tiempo sociales, en parte compartidos y en parte únicos, como dice Ralph Linton en Estudio del hombre (Study of man). Otro antropólogo, Martin Buber (Yo y tu), así como Peter Berger, Karl Marx, Jesús Cristo, nos colocan frente a la evidencia de que sin ti no soy nada. Y esto no es una declaración de amor, sino un hecho. Me construyo en relación, y también, puedo destruírme en malas relaciones. Esto es lo que la terapia comunitaria define como el principio sanador de esta dinámica de vida que consiste en vivir en red. Sano al sanar contigo. Como no me enfermo sólo, tampoco me sano solo. Y juntos nos sanamos, o mejor, prevenimos el sufrimiento emocional, el aislamiento, el anonimato, la pérdida de identidad, la soledad, la alienación.
Identidad, memoria, historia, valores, raíces, pertenencia. De esto trata la Antropología cultural, como una de las bases o pilares de la Terapia Comunitaria.
El terapeuta comunitario es un hombre o una mujer de su tiempo. Conoce las raíces de su pueblo por conocerlas en sí mismo, y por vivir en red, se incorpora al proceso constante de la vida que, en relación conflictiva, progresa constantemente hacia ideales más elevados de justicia, fraternidad, solidaridad, cooperación, y realización plena de cada uno, en medio y con respeto a las diferencias.
quarta-feira, 23 de junho de 2010
As dores da alma dos excluídos no Brasil, por Adalberto de Paula Barreto
O Contexto de nossa ação:
Assim como muitos países do mundo recebem refugiados de guerra, as grandes cidades do Brasil recebem refugiados que fogem de uma luta desigual contra as forças da natureza, no árido sertão nordestino e vitimados por uma política econômica que concentra poder e riqueza, excluindo a grande maioria das oportunidades de desenvolvimento e da partilha de bens materiais ou culturais.
Os movimentos migratórios, agravados pelas secas cíclicas, pela interrupção e vulnerabilidade das políticas agrícolas provocam o empobrecimento econômico, cultural, do “savoir -faire” e dos laços sociais e da imagem de si mesmo. Estes migrantes são personagens de uma batalha silenciosa, invisível fruto da política econômica injusta e excludente. Essa batalha, sem armas aparentes, deixa marcas profundas no corpo e na alma do homem. A chegada às grandes cidades acontece na mais profunda desolação. A cidade não os acolhe, não abre suas portas para recebê-los. Eles chegam, mas não a penetram, permanecem na periferia formando um cinturão de miséria.
Logo descobrem que os sonhos tornam-se pesadelos. Inicia outra série de problemas bem mais dramáticos: onde morar? Como construir casa se não há terra nem meios? Como alimentar e nutrir seus filhos? Como conseguir emprego, se não têm capacitação profissional? Como cuidar dos filhos, se precisam sair de casa á busca de trabalho e comida? Essas questões ilustram a “via cruxis” de indivíduos e famílias no quotidiano. São populações abandonadas pelos governantes, denegadas por uma economia selvagem que as excluem literalmente da partilha.
Para poderem se inserir na grande cidade têm que romper com barreiras invisíveis, verdadeiras muralhas de indiferença, hostilidade que tentam manter essas populações afastadas da vida social. Neste contexto profundamente diferente, a nova vida social e política e as atividades econômicas, por um lado, funcionam como elementos que agridem a identidade cultural e atingem a identidade pessoal provocando desagregações, desajustes e desequilíbrios. Por outro lado, desencadeiam um esforço criativo e desejo de inserção social muito grandes, por meio de inúmeros cultos religiosos ou movimentos associativos. A conseqüência imediata dessa exclusão é a cisão da sociedade em duas grandes correntes humanas:
a) uma, fixada na terra com seus imóveis e mansões bem protegidas, ostentando riquezas e bens visíveis;
b) outra, como fantasmas semivisíveis que ninguém quer ver, perambula de lá para cá, dentro do espaço urbano, movendo-se impulsionada pelas necessidades básicas, em busca de alimento, moradia, emprego constituindo-se na sociedade dos descolados sociais, ou das “almas penadas”
Na cultura brasileira o termo “alma penada” define a situação de pessoas que morrem e não têm para aonde ir, que não conseguem seguir o destino de todas as almas após a morte, e vagam entre os vivos, sofrendo e gemendo entre a terra e o mundo espiritual. São as almas penadas, que tentam, sem sucesso, o contato, o diálogo com o mundo dos vivos (Barreto 1994).
Durante estes anos de trabalho com essas populações, nós podemos compreender o drama do homem das favelas das grandes cidades brasileiras. Ser migrante favelado é algo tão angustiante, tão frustrante quanto ser “alma penada” buscando contato com os vivos, sem jamais conseguir ser visto ou ouvido.
Talvez a familiaridade do termo junto às classes pobres traduza o real sentimento de uma vida sem reconhecimento e sem direito a espaços que garantam o desenvolver pleno da existência como pessoas, como cidadãos. A alma penada seria o protótipo das doenças da alma do século XXI?
Nossa intervenção:
Há 21 anos, o Departamento de Saúde comunitária da Universidade Federal do Ceará, com o apoio do Centro de Direitos Humanos do Pirambú - CE. e do Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária, desenvolve um trabalho de promoção em Saúde Mental Comunitária, na segunda maior favela do Brasil, a favela do Pirambú, com 280.000 habitantes, situada na cidade de Fortaleza, nordeste do Brasil, metrópole com dois milhões de habitantes.
A ação da Universidade, no início, era voltada para as intervenções pontuais de indivíduos e famílias em sofrimento psíquico, cujos direitos de cidadãos tinham sido violados. Convidado a intervir como psiquiatra na favela, me dei conta de que o arsenal quimioterápico da psiquiatria moderna não podia ser a única arma na luta contra os efeitos de um contexto social desagregador e mutilador de indivíduos.
O uso indiscriminado tornava ainda mais caótico o estado psíquico de muitos usuários e os mesmos psicotrópicos usados para tratar distúrbios mentais eram usados indiscriminadamente nas insônias rebeldes e nos desequilíbrios emocionais ou até para aplacar o choro das crianças famintas. Esse contexto caótico exigia a criação de novos paradigmas capazes de estimular uma ação terapêutica criativa e efetiva, que nos permitisse:
1. Perceber o homem e seu sofrimento em rede relacional;
2. Romper com o modelo do “salvador da pátria”, do técnico iluminado, que traz as soluções e reforça um sistema de dependência;
3. Identificar não só a extensão da patologia, mas também o potencial daquele que sofre;
4. Como fazer o grupo acreditar em si, na sua competência;
5. Como resgatar o saber dos antepassados e a competência adquirida pela própria experiência de vida;
6. Como ultrapasssar o unitário para atingir o comunitário;
7. Fazer da prevenção, uma preocupação constante e tarefa de todos;
Para atuar de forma transformadora nesta dura realidade social, começamos a realizar encontros semanais entre as pessoas mais carentes de auxílio psiquiátrico, na favela, e acabamos criando nossa própria forma de trabalho, a Terapia Comunitária (Barreto 1994).
Em espaço livre, à sombra de um pé de cajueiro, reuniam-se as pessoas que estavam vivendo uma situação de crise para falar de suas angústias, problemas, sonhos, dramas e necessidades. Criamos então o Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária, Organização Não Governamental, sem fins lucrativos e com base comunitária, que passou a oferecer, ao longo de 18 anos de trabalho, algumas opções terapêuticas à população: arte terapia – massagem anti-estresse, fitoterapias - Terapias comunitárias, sessões de resgate da auto-estima (Barreto 1994). Nossa ação procurava suscitar a capacidade terapêutica do próprio grupo ajudando o indivíduo a descobrir as implicações humanas e contextuais do quadro de sofrimento em que viviam.
Desta forma, nossa intervenção permitia a tomada de consciência do indivíduo em sofrimento psíquico dentro do corpo social, estimulando a transformação de um e de outro, tratando assim a saúde coletiva, e recuperando, com ações individuais, a saúde do corpo social.
Nesses anos de trabalho como psiquiatra, na favela, temos treinado cerca de 7.500 lideranças comunitárias que atuam em 27 estados do Brasil para assumirem o papel de mediadores dos conflitos, conhecidos como terapeutas comunitários. Eles atuam em comunidades carentes, nas escolas, postos de saúde, programas de saúde da família e em prefeituras como São Paulo, Londrina-Pa e Sobral-Ce.
Trata-se de um programa piloto na área de saúde comunitária que articula o saber científico com o saber popular na perspectiva de superação dos conflitos e na construção de redes sociais de apoio às pessoas em crise.
Nossa experiência tem dado a convicção de que estas “doenças da alma” podem ser tratadas pelo próprio grupo. Eles têm problemas, mas tem também as soluções e precisam ser estimulados a tomarem consciência do potencial humano e cultural que possuem.
É no próprio grupo, trocando experiências, refletindo, se apoiando, reforçando os laços afetivos e os valores da cultura local que o tecido social vai se consolidando, que a consciência social vai despertando, descobrindo coletivamente as saídas possíveis para a superação dos problemas, facilitando a inserção social em novo contexto.
Nós nos identificamos com o método (RAP)* Pesquisa-Ação-Participação, que temos adotado há vários anos, definido como “rejeição do monopólio universitário sobre a produção do conhecimento e fazendo apelo aos saberes da base, na base e para a base”…
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*-Atelier Nord Sud de méthodologie en analyse, Réseau Culture Bruxelles mars 1997
As doenças da alma
Nestes 21 anos de trabalho com as populações de excluídos no Brasil destacamos três categorias que atingem de forma contundente os indivíduos:
1. Disturbios do abandono.
2. Disturbios da insegurança.
3. Distúrbios da baixa auto-estima.
1-ABANDONO:
São populações inteiras, mergulhadas em forte sentimento de abandono e orfandade. Não fora um desejo muito forte de inserção social evidenciado pelas inúmeras associações de bairro e diversos cultos religiosos, a situação poderia ser bem mais caótica.
As agressões contextuais, como o desemprego, a falta de habitação, saúde, educação, aceitação social, a falta de uma política de inserção social mais abrangente, constituem–se no maior atentado á vida em sociedade.
Indivíduos e famílias entregues à própria sorte são levados a construir os próprios mecanismos de sobrevivência, modelos de funcionamento que só consideram o "aqui e agora" das necessidades fundamentais da existência humana, tais como saciar a fome, a sede, buscar segurança.
Os efeitos do sentimento de abandono são visíveis em todos os níveis:
-em nível individual: a própria aparência física: bocas desdentadas, rugas precoces, cabelos em desalinho;
-em nível familiar: mulheres abandonadas pelos maridos assumindo a responsabilidade de alimentar sozinha a família, famílias vivendo nas ruas, crianças abandonadas cheirando cola,
-em nível social: a própria configuração geográfica da favela, casas construídas com pedaços de papelão, caixas, madeiras nos reinviam a pedaços de existência de indivíduos, famílias e vidas.
Cada família, uma história, uma seqüência de sofrimentos, sentimento de exploração, de abandono e injustiça. Cada um parece prisioneiro de acontecimentos e, muitas vezes, emprega toda a sua energia para se defender do sentimento de estar “possuído” por forças ocultas, por espíritos dos mortos.
Talvez o “encosto,” forma popular de possessão, nos fale de perda de liberdade de vida, da perda da autonomia e do estado de dependência do outro, das pressões sociais do novo contexto (Barreto 1988).
Enquanto a dinâmica da urbis agrega pessoas em torno de lutas materiais específicas, como habitação, alimentação, saúde, através de associações e sindicatos, outras concentram as atenções no mundo secreto da espiritualidade.
São os líderes espirituais, os curandeiros que, no anonimato dos centros, no silêncio da noite, procuram com seus rituais, alimentar a fé que reanima a esperança de dias melhores, oferece a possibilidade de pertencer a uma família espiritual, e transforma o homem sofrido e solitário em pessoa pertencente a uma nova família, restituindo-lhe a alegria de viver.
Para muitos, ser devoto de santo católico, filho de algum orixá africano ou até mesmo se deixar incorporar por um espírito de luz permite que esses indivíduos abandonados possam sentir a plenitude de um sentimento quase esquecido, o de fazer parte de nação de luz, na qual os governantes os acolhem com respeito e afeição.
Aqui a cultura emerge como sustentáculo de uma identidade ameaçada pelo novo contexto. Tal qual a teia de aranha, a cultura é para o indivíduo o que a teia é para a aranha: ela agrega, une, alimenta e fortalece os vínculos que conferem a pertença.
Os mais jovens formam gangues, verdadeiras “internetes sociais,” como estratégia para suprir o sentimento de anomia, abandono e o desejo de inserção a grupo que lhe confira o sentimento e pertença.
Outros, ainda, geralmente os mais sensíveis, padecem de depressão, crises nervosas, alcoolismo, drogas, prostituição.
O que é mais dramático é que o sofrimento que padece o corpo e a família dos excluídos, no quotidiano, atinge violentamente as almas desses corpos.
Estabelece-se assim a guerra de valores em que o espírito das referências ancestrais fortemente paternalista se chocam com as novas referências do mundo urbano onde cada um tem que se virar para sobreviver.
É neste contexto que muitos se mobilizam para não perder a guerra interior, para manter viva a esperança, a crença em valores, para poder salvaguardar a identidade ameaçada, no novo mundo que exige adaptações rápidas.
Os espíritos cultuados nos diversos cultos, tornam-se em grandes aliados desses homens. Sacerdotes e curandeiros são procurados para ajudá-los a resolver os conflitos da alma.
Os curandeiros, guardiões da identidade cultural, através de cultos religiosos e rituais, tentam reanimar a alma desanimada pela dureza da vida.
Neste sentido, os cultos religiosos,católicos, espíritas, afro-brasileiros ou outros, funcionam como verdadeiras UTIs existenciais, para o homem sofrido, abandonado. Aqui a cultura tenta dar suporte, onde as instituições falharam.
Curando a dor da alma, conforta-se o corpo. Nestes contextos, os cultos tornam-se muito mais espaço de catarse coletiva, para reduzir o estresse, do que espaço de reflexão ou de tomada de consciência das implicações históricas e psicológicas do sofrimento.
Alguns cultos são terrivelmente agressivos, sobretudo algumas igrejas neo-evangélicas e pentecostais, que exigem de seus fiéis a recusa das crenças culturais. Trata-se de ruptura com o modelo referencial interiorizado há gerações, verdadeira destruição de identidades, de pertenças fundamentais, substituídas, por um falso EGO, construído sobre valores de uma religião da qual deve esperar tudo, e que se afirma pela negação do outro, do diferente.
Ela se impõe, o que reforça o sentimento de dependência, de submissão sectária.
No entanto, temos observado que outros cultos, como a umbanda, são muito mais respeitosos da diversidade cultural e oferecem a possibilidade de acolhimento, na neofamilia, na qual coabitam múltiplas imagens identificatórias, que podem, pelo respeito da cultura de base, se apropriar de modelo comunitário mais tolerante.
A doença do abandono é a porta de entrada dos cultos. De cliente, torna-se adepto. A explicação da origem de todo mal ou malestar é atribuída aos maus espíritos, que devem ser exorcizados através de rituais. Sob o pretexto de exorcizar o mal, exorciza-se o homem de si mesmo, de suas crenças, de seus valores ancestrais, do senso critico. Trata-se de verdadeiro culto de esvaziamento do homem de sua identidade cultural.
Estamos convencidos de que enquanto os indivíduos não entenderem as implicações humanas e contextuais de seus sofrimentos e não tiverem o senso de co-responsabilidade, não haverá desenvolvimento sustentável possível.
2-INSEGURANÇA:
O clima de insegurança é um fermento de violência, de divisão, de fraturas, de rupturas no seio da sociedade, estimulada e alimentada pelo medo e ações irracionais geradas pela insegurança. Nas favelas, o clima de violência, roubo, crimes têm se intensificado com o desemprego. O desejo de sobrevivência é bem mais forte levando indivíduos e grupos a se organizarem para roubar e pilhar bens de primeira necessidade ou bens simbólicos.
Esses indivíduos ou grupos organizados começam a impor seu poder gerando um clima de insegurança e medo nas pessoas de ambos os grupos sociais.
As casas tornam-se verdadeiras prisões, com grades de ferro para garantir a própria segurança, os moradores acabam construindo verdadeiras prisões para si mesmos. Trancadas em suas casas, as pessoas tornam-se reféns da violência.
Os mais pobres, os que moram nas favelas, vivem sobressaltados, com medo de perder um chinelo, uma peça de roupa, o botijão de gás, o que é ainda pior, de serem atingidos por alguma bala perdida durante as brigas de gangues.
O clima de desconfiança vai, aos poucos, quebrando os vínculos de solidariedade e acolhida, tão característicos das populações interioranas, gerando conflitos, intrigas, estupros, agressões contra vizinhos.
Os sintomas do distúrbio da insegurança atingem a todos: os jovens perdem o direito de circular livremente na cidade, onde as gangues já delimitaram seus territórios onde nenhum outro individuo de outra comunidade pode circular sem represálias.
As pessoas idosas são assaltadas quando recebem no banco, o dinheiro da aposentadoria. A ausência de uma policia cidadã que não inspira confiança torna o quadro ainda mais dramático. Em resposta a esse contexto, a cada dia, fica mais significativo o números de rituais de proteção usados, que vão desde o uso de símbolos protetores religiosos: como a cruz,os salmos, as medalhas, até o uso de cães e armas de fogo para sair às ruas.
A insegurança é o reflexo das condições sociais que se agravam a cada dia com a falta de emprego. Este clima de ameaça e de hostilidade leva os indivíduos a desconfiarem uns dos outros identificando qualquer pessoa desconhecida como possível inimigo. Com isso, praticam-se constantemente atos de discriminação, e exclusão contra o outro.
Existe também a cultura da violência que é estimulada e vivificada por uma contracultura, expressa nos filmes e programas de comunicação de massa, nos jogos de guerra e videogames que, transmitidos à nossa imaginação, sem critérios ou legislação adequada, reforçam a idéia de que o herói é aquele que consegue tudo através do uso da violência e da força contra o outro.
O espaço da família se vê invadido pela violência, na forma dos conflitos conjugais, na violência contra a mulher, nos maus tratos à criança.
No Brasil, ela toma contornos ainda mais dramáticos com o surgimento de programas televisivos que estão sempre mostrando cena de crime ao vivo com todas as cores da violência e crueldade. Se a segurança como fator social é necessária para que se possa inspirar a confiança recíproca dos homens, estar seguro e poder confiar em si mesmo, na sua capacidade de dominar, de comandar os instintos, transformando-os em força para viver,são necessidades básicas para a paz do indivíduo e a paz social que nele se origina . O que é preocupante é que o clima de insegurança pode ser fermento de violência e divisão no seio da sociedade, pelos medos e ações irracionais que ocasiona.
3- A BAIXA AUTO-ESTIMA:
É evidente que, além da violência e do abandono, a exclusão social gere sentimento de menos valia, de desvalorização do indivíduo. Soma-se a isso a força dos estereótipos e preconceitos sociais reforçados por uma educação que não leva em conta os valores próprios do indivíduo. Estes elementos contextuais: educação doméstica repressora, os estereótipos sociais que desvalorizam a pessoa acabam por anular, por dilapidar o patrimônio íntimo do homem: A confiança em si.
Desconhecem-se os dons inatos, aptidões e capacidades naturais. Desvalorizado, caso não consiga atingir os padrões intelectuais exigidos, introjeta o sentimento de incapacidade, e passa a não acreditar mais em si mesmo, se autoexclui, não se sentindo mais merecedor da felicidade, perdendo aos poucos a condição de amar e ser amado. Esse sentimento de descrença, em seu próprio potencial, se manifesta em vários níveis:
A) individual: leva as pessoas a calar sentimentos e emoções mais profundos, a apresentarem assim um alto índice de tensão psíquica e somatizações físicas ;
B) familiar: uma educação repressora baseada em xingamentos em que a criança, desde cedo, é desvalorizada, é vista como incapaz criando um campo fértil para nutrir a insegurança e o sentimento de desvalorização.
C) social: alto índice de abandono de empregos por se sentirem incapazes
O quadro mais dramático, dentro de uma favela, não é a miséria retratada nos casebres, e sim a miséria oculta no íntimo das criaturas. O sentimento de incapacidade e de descrença nos próprios potenciais é que vem reforçar a marginalização dos indivíduos no corpo social que, muitas vezes os faz perder chances de trabalho e inserção social que lhes aparecem, pois inconscientemente eles próprios auto boicotam todas as oportunidades para crescer e vencer.
Paralelamente às sessões de Terapia Comunitária, temos procurado minimizar este quadro criando grupos de reforço da auto-estima, através de técnicas e dinâmicas adaptadas às condições, procurando despertar o potencial humano amordaçado e colocá-lo a serviço de uma dinâmica individual e coletiva, levando as pessoas a se tornarem sujeitos da história e responsáveis pela existência.
Reflexões:
As síndromes relativas ao abandono, insegurança e baixa auto-estima constituem um quadro preocupante em escala nacional. Constituem fermentos de violência e divisão no seio de uma sociedade, pelos medos e ações irracionais que podem ocasionar. Esse clima de tensão, desespero e muita angústia só pode desaparecer com a maior presença de instituições comprometidas com o bem comum. Quando as instituições estão ausentes ou são inoperantes, os indivíduos criam suas próprias regras e leis e tende a imperar a autodefesa, o salve-se quem puder, o que potencializa cada vez mais a violência fratricida.
Faz-se necessário criar instrumentos aptos a estimular uma “ação criativa” nos indivíduos que vivem nestes contextos anômicos. Eles devem se apoiar em valores individuais próprios e em valores culturais anteriormente desqualificados. Em nossa experiência, os novos instrumentos só podem ser concebidos num contexto grupal, participativo e comunitário.
Nossa experiência tem nos firmado na convicção de que a solução está no coletivo e em suas interações, no compartilhar, nas identificações com o outro, no respeito às diferenças. Portanto é do grupo que devem emergir as soluções adaptadas. Essa perspectiva exige, dos profissionais, uma tomada de distância critica dos modelos explicativos do sofrimento, e das intervenções que implicam, muitas vezes em condutas lineares e redutoras (Exemplo do modelo biomédico que supervaloriza a quimioterapia ou modelo social que impõe, do exterior, ações tanto educativas como repressivas.).
Os profissionais devem fazer parte dessa construção. Ambos tiram benefícios: A comunidade gerando autonomia e inserção social e os terapeutas se curando de seu autismo institucional e profissional, bem como de sua alienação universitária. Uma política de Autopromoção do indivíduo, como fator transformador do corpo social, deve permitir a ruptura de modelos paternalistas, que geram dependência e castra a criatividade.
Não se trata de ficar somente à espera de investimento financeiro, mas sobretudo de investir no capital sócio-cultural do indivíduo excluído, para permiti-lo sair do lugar de objeto vítima, para um lugar de sujeito, ator de seu destino para tornar-se co-responsável na construção de uma sociedade mais igualitária, seja capaz de fazer suas escolhas criticas em busca de sua autonomia.
Investir em políticas sociais capazes de promover e consolidar os laços afetivos e sociais, capazes de fazer surgir um sentido de pertença cultural inscrita numa comunidade de vida. Sair dos espaços para investir mais nos laços, ultrapassar o modelo individual, onde a solução de todos os males é esperada de um único individuo externo ou do político.
Precisamos estimular movimentos participativos em que cada um dê sua contribuição, o que permite paralelamente ao grupo desenvolver-se no conjunto como um todo. Como foi dito para o subdesenvolvimento, a perda da estima de si é um estado de privação em relação ao próprio saber. É importante iniciar e desenvolver os espaços de restauração identitário onde a palavra pode se liberar. Os saberes científicos devem reconhecer e integrar, enfim, os saberes ditos populares. A restauração da estima de si dos excluídos constitui a pedra angular da luta contra as doenças da alma do século XXI.
Referencia Bibliografica:
1-Barreto A.P" UN MOVIMIENTO INTEGRADO DE SALUD MENTAL COMUNITARIA EN FORTALEZA, BRASIL" In Boletin Oficina Sanitaria Panamericana 117 (5), 1994 pag. 453-465
2-Barreto A.P" L'ARAINEE ET LA COMMUNAUTE TISSENT LEURS TOILES" in Transitions nº 37 ( Rites culturels et Droits de la Personne) 135-142 Paris 1994
3-Barreto A.P."LES AMES EN PEINE DANS LA VILLE" in Transitions nª 37( Rites culturels et Droits dela Personne) 127-134 Paris 1994
4-Barreto A.P.ASPECTS CULTURELS SPECIFIQUES DU SYNDROME DE POSSESSION ET LA RELATION THERAPEUTIQUE Conferencia no 3º Seminaire inter-culturel Henry collomb na França em outubro 1988.
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Adalberto de Paula Barreto é o criador da Terapia Comunitária Integrativa e Sistêmica.
Assim como muitos países do mundo recebem refugiados de guerra, as grandes cidades do Brasil recebem refugiados que fogem de uma luta desigual contra as forças da natureza, no árido sertão nordestino e vitimados por uma política econômica que concentra poder e riqueza, excluindo a grande maioria das oportunidades de desenvolvimento e da partilha de bens materiais ou culturais.
Os movimentos migratórios, agravados pelas secas cíclicas, pela interrupção e vulnerabilidade das políticas agrícolas provocam o empobrecimento econômico, cultural, do “savoir -faire” e dos laços sociais e da imagem de si mesmo. Estes migrantes são personagens de uma batalha silenciosa, invisível fruto da política econômica injusta e excludente. Essa batalha, sem armas aparentes, deixa marcas profundas no corpo e na alma do homem. A chegada às grandes cidades acontece na mais profunda desolação. A cidade não os acolhe, não abre suas portas para recebê-los. Eles chegam, mas não a penetram, permanecem na periferia formando um cinturão de miséria.
Logo descobrem que os sonhos tornam-se pesadelos. Inicia outra série de problemas bem mais dramáticos: onde morar? Como construir casa se não há terra nem meios? Como alimentar e nutrir seus filhos? Como conseguir emprego, se não têm capacitação profissional? Como cuidar dos filhos, se precisam sair de casa á busca de trabalho e comida? Essas questões ilustram a “via cruxis” de indivíduos e famílias no quotidiano. São populações abandonadas pelos governantes, denegadas por uma economia selvagem que as excluem literalmente da partilha.
Para poderem se inserir na grande cidade têm que romper com barreiras invisíveis, verdadeiras muralhas de indiferença, hostilidade que tentam manter essas populações afastadas da vida social. Neste contexto profundamente diferente, a nova vida social e política e as atividades econômicas, por um lado, funcionam como elementos que agridem a identidade cultural e atingem a identidade pessoal provocando desagregações, desajustes e desequilíbrios. Por outro lado, desencadeiam um esforço criativo e desejo de inserção social muito grandes, por meio de inúmeros cultos religiosos ou movimentos associativos. A conseqüência imediata dessa exclusão é a cisão da sociedade em duas grandes correntes humanas:
a) uma, fixada na terra com seus imóveis e mansões bem protegidas, ostentando riquezas e bens visíveis;
b) outra, como fantasmas semivisíveis que ninguém quer ver, perambula de lá para cá, dentro do espaço urbano, movendo-se impulsionada pelas necessidades básicas, em busca de alimento, moradia, emprego constituindo-se na sociedade dos descolados sociais, ou das “almas penadas”
Na cultura brasileira o termo “alma penada” define a situação de pessoas que morrem e não têm para aonde ir, que não conseguem seguir o destino de todas as almas após a morte, e vagam entre os vivos, sofrendo e gemendo entre a terra e o mundo espiritual. São as almas penadas, que tentam, sem sucesso, o contato, o diálogo com o mundo dos vivos (Barreto 1994).
Durante estes anos de trabalho com essas populações, nós podemos compreender o drama do homem das favelas das grandes cidades brasileiras. Ser migrante favelado é algo tão angustiante, tão frustrante quanto ser “alma penada” buscando contato com os vivos, sem jamais conseguir ser visto ou ouvido.
Talvez a familiaridade do termo junto às classes pobres traduza o real sentimento de uma vida sem reconhecimento e sem direito a espaços que garantam o desenvolver pleno da existência como pessoas, como cidadãos. A alma penada seria o protótipo das doenças da alma do século XXI?
Nossa intervenção:
Há 21 anos, o Departamento de Saúde comunitária da Universidade Federal do Ceará, com o apoio do Centro de Direitos Humanos do Pirambú - CE. e do Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária, desenvolve um trabalho de promoção em Saúde Mental Comunitária, na segunda maior favela do Brasil, a favela do Pirambú, com 280.000 habitantes, situada na cidade de Fortaleza, nordeste do Brasil, metrópole com dois milhões de habitantes.
A ação da Universidade, no início, era voltada para as intervenções pontuais de indivíduos e famílias em sofrimento psíquico, cujos direitos de cidadãos tinham sido violados. Convidado a intervir como psiquiatra na favela, me dei conta de que o arsenal quimioterápico da psiquiatria moderna não podia ser a única arma na luta contra os efeitos de um contexto social desagregador e mutilador de indivíduos.
O uso indiscriminado tornava ainda mais caótico o estado psíquico de muitos usuários e os mesmos psicotrópicos usados para tratar distúrbios mentais eram usados indiscriminadamente nas insônias rebeldes e nos desequilíbrios emocionais ou até para aplacar o choro das crianças famintas. Esse contexto caótico exigia a criação de novos paradigmas capazes de estimular uma ação terapêutica criativa e efetiva, que nos permitisse:
1. Perceber o homem e seu sofrimento em rede relacional;
2. Romper com o modelo do “salvador da pátria”, do técnico iluminado, que traz as soluções e reforça um sistema de dependência;
3. Identificar não só a extensão da patologia, mas também o potencial daquele que sofre;
4. Como fazer o grupo acreditar em si, na sua competência;
5. Como resgatar o saber dos antepassados e a competência adquirida pela própria experiência de vida;
6. Como ultrapasssar o unitário para atingir o comunitário;
7. Fazer da prevenção, uma preocupação constante e tarefa de todos;
Para atuar de forma transformadora nesta dura realidade social, começamos a realizar encontros semanais entre as pessoas mais carentes de auxílio psiquiátrico, na favela, e acabamos criando nossa própria forma de trabalho, a Terapia Comunitária (Barreto 1994).
Em espaço livre, à sombra de um pé de cajueiro, reuniam-se as pessoas que estavam vivendo uma situação de crise para falar de suas angústias, problemas, sonhos, dramas e necessidades. Criamos então o Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária, Organização Não Governamental, sem fins lucrativos e com base comunitária, que passou a oferecer, ao longo de 18 anos de trabalho, algumas opções terapêuticas à população: arte terapia – massagem anti-estresse, fitoterapias - Terapias comunitárias, sessões de resgate da auto-estima (Barreto 1994). Nossa ação procurava suscitar a capacidade terapêutica do próprio grupo ajudando o indivíduo a descobrir as implicações humanas e contextuais do quadro de sofrimento em que viviam.
Desta forma, nossa intervenção permitia a tomada de consciência do indivíduo em sofrimento psíquico dentro do corpo social, estimulando a transformação de um e de outro, tratando assim a saúde coletiva, e recuperando, com ações individuais, a saúde do corpo social.
Nesses anos de trabalho como psiquiatra, na favela, temos treinado cerca de 7.500 lideranças comunitárias que atuam em 27 estados do Brasil para assumirem o papel de mediadores dos conflitos, conhecidos como terapeutas comunitários. Eles atuam em comunidades carentes, nas escolas, postos de saúde, programas de saúde da família e em prefeituras como São Paulo, Londrina-Pa e Sobral-Ce.
Trata-se de um programa piloto na área de saúde comunitária que articula o saber científico com o saber popular na perspectiva de superação dos conflitos e na construção de redes sociais de apoio às pessoas em crise.
Nossa experiência tem dado a convicção de que estas “doenças da alma” podem ser tratadas pelo próprio grupo. Eles têm problemas, mas tem também as soluções e precisam ser estimulados a tomarem consciência do potencial humano e cultural que possuem.
É no próprio grupo, trocando experiências, refletindo, se apoiando, reforçando os laços afetivos e os valores da cultura local que o tecido social vai se consolidando, que a consciência social vai despertando, descobrindo coletivamente as saídas possíveis para a superação dos problemas, facilitando a inserção social em novo contexto.
Nós nos identificamos com o método (RAP)* Pesquisa-Ação-Participação, que temos adotado há vários anos, definido como “rejeição do monopólio universitário sobre a produção do conhecimento e fazendo apelo aos saberes da base, na base e para a base”…
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*-Atelier Nord Sud de méthodologie en analyse, Réseau Culture Bruxelles mars 1997
As doenças da alma
Nestes 21 anos de trabalho com as populações de excluídos no Brasil destacamos três categorias que atingem de forma contundente os indivíduos:
1. Disturbios do abandono.
2. Disturbios da insegurança.
3. Distúrbios da baixa auto-estima.
1-ABANDONO:
São populações inteiras, mergulhadas em forte sentimento de abandono e orfandade. Não fora um desejo muito forte de inserção social evidenciado pelas inúmeras associações de bairro e diversos cultos religiosos, a situação poderia ser bem mais caótica.
As agressões contextuais, como o desemprego, a falta de habitação, saúde, educação, aceitação social, a falta de uma política de inserção social mais abrangente, constituem–se no maior atentado á vida em sociedade.
Indivíduos e famílias entregues à própria sorte são levados a construir os próprios mecanismos de sobrevivência, modelos de funcionamento que só consideram o "aqui e agora" das necessidades fundamentais da existência humana, tais como saciar a fome, a sede, buscar segurança.
Os efeitos do sentimento de abandono são visíveis em todos os níveis:
-em nível individual: a própria aparência física: bocas desdentadas, rugas precoces, cabelos em desalinho;
-em nível familiar: mulheres abandonadas pelos maridos assumindo a responsabilidade de alimentar sozinha a família, famílias vivendo nas ruas, crianças abandonadas cheirando cola,
-em nível social: a própria configuração geográfica da favela, casas construídas com pedaços de papelão, caixas, madeiras nos reinviam a pedaços de existência de indivíduos, famílias e vidas.
Cada família, uma história, uma seqüência de sofrimentos, sentimento de exploração, de abandono e injustiça. Cada um parece prisioneiro de acontecimentos e, muitas vezes, emprega toda a sua energia para se defender do sentimento de estar “possuído” por forças ocultas, por espíritos dos mortos.
Talvez o “encosto,” forma popular de possessão, nos fale de perda de liberdade de vida, da perda da autonomia e do estado de dependência do outro, das pressões sociais do novo contexto (Barreto 1988).
Enquanto a dinâmica da urbis agrega pessoas em torno de lutas materiais específicas, como habitação, alimentação, saúde, através de associações e sindicatos, outras concentram as atenções no mundo secreto da espiritualidade.
São os líderes espirituais, os curandeiros que, no anonimato dos centros, no silêncio da noite, procuram com seus rituais, alimentar a fé que reanima a esperança de dias melhores, oferece a possibilidade de pertencer a uma família espiritual, e transforma o homem sofrido e solitário em pessoa pertencente a uma nova família, restituindo-lhe a alegria de viver.
Para muitos, ser devoto de santo católico, filho de algum orixá africano ou até mesmo se deixar incorporar por um espírito de luz permite que esses indivíduos abandonados possam sentir a plenitude de um sentimento quase esquecido, o de fazer parte de nação de luz, na qual os governantes os acolhem com respeito e afeição.
Aqui a cultura emerge como sustentáculo de uma identidade ameaçada pelo novo contexto. Tal qual a teia de aranha, a cultura é para o indivíduo o que a teia é para a aranha: ela agrega, une, alimenta e fortalece os vínculos que conferem a pertença.
Os mais jovens formam gangues, verdadeiras “internetes sociais,” como estratégia para suprir o sentimento de anomia, abandono e o desejo de inserção a grupo que lhe confira o sentimento e pertença.
Outros, ainda, geralmente os mais sensíveis, padecem de depressão, crises nervosas, alcoolismo, drogas, prostituição.
O que é mais dramático é que o sofrimento que padece o corpo e a família dos excluídos, no quotidiano, atinge violentamente as almas desses corpos.
Estabelece-se assim a guerra de valores em que o espírito das referências ancestrais fortemente paternalista se chocam com as novas referências do mundo urbano onde cada um tem que se virar para sobreviver.
É neste contexto que muitos se mobilizam para não perder a guerra interior, para manter viva a esperança, a crença em valores, para poder salvaguardar a identidade ameaçada, no novo mundo que exige adaptações rápidas.
Os espíritos cultuados nos diversos cultos, tornam-se em grandes aliados desses homens. Sacerdotes e curandeiros são procurados para ajudá-los a resolver os conflitos da alma.
Os curandeiros, guardiões da identidade cultural, através de cultos religiosos e rituais, tentam reanimar a alma desanimada pela dureza da vida.
Neste sentido, os cultos religiosos,católicos, espíritas, afro-brasileiros ou outros, funcionam como verdadeiras UTIs existenciais, para o homem sofrido, abandonado. Aqui a cultura tenta dar suporte, onde as instituições falharam.
Curando a dor da alma, conforta-se o corpo. Nestes contextos, os cultos tornam-se muito mais espaço de catarse coletiva, para reduzir o estresse, do que espaço de reflexão ou de tomada de consciência das implicações históricas e psicológicas do sofrimento.
Alguns cultos são terrivelmente agressivos, sobretudo algumas igrejas neo-evangélicas e pentecostais, que exigem de seus fiéis a recusa das crenças culturais. Trata-se de ruptura com o modelo referencial interiorizado há gerações, verdadeira destruição de identidades, de pertenças fundamentais, substituídas, por um falso EGO, construído sobre valores de uma religião da qual deve esperar tudo, e que se afirma pela negação do outro, do diferente.
Ela se impõe, o que reforça o sentimento de dependência, de submissão sectária.
No entanto, temos observado que outros cultos, como a umbanda, são muito mais respeitosos da diversidade cultural e oferecem a possibilidade de acolhimento, na neofamilia, na qual coabitam múltiplas imagens identificatórias, que podem, pelo respeito da cultura de base, se apropriar de modelo comunitário mais tolerante.
A doença do abandono é a porta de entrada dos cultos. De cliente, torna-se adepto. A explicação da origem de todo mal ou malestar é atribuída aos maus espíritos, que devem ser exorcizados através de rituais. Sob o pretexto de exorcizar o mal, exorciza-se o homem de si mesmo, de suas crenças, de seus valores ancestrais, do senso critico. Trata-se de verdadeiro culto de esvaziamento do homem de sua identidade cultural.
Estamos convencidos de que enquanto os indivíduos não entenderem as implicações humanas e contextuais de seus sofrimentos e não tiverem o senso de co-responsabilidade, não haverá desenvolvimento sustentável possível.
2-INSEGURANÇA:
O clima de insegurança é um fermento de violência, de divisão, de fraturas, de rupturas no seio da sociedade, estimulada e alimentada pelo medo e ações irracionais geradas pela insegurança. Nas favelas, o clima de violência, roubo, crimes têm se intensificado com o desemprego. O desejo de sobrevivência é bem mais forte levando indivíduos e grupos a se organizarem para roubar e pilhar bens de primeira necessidade ou bens simbólicos.
Esses indivíduos ou grupos organizados começam a impor seu poder gerando um clima de insegurança e medo nas pessoas de ambos os grupos sociais.
As casas tornam-se verdadeiras prisões, com grades de ferro para garantir a própria segurança, os moradores acabam construindo verdadeiras prisões para si mesmos. Trancadas em suas casas, as pessoas tornam-se reféns da violência.
Os mais pobres, os que moram nas favelas, vivem sobressaltados, com medo de perder um chinelo, uma peça de roupa, o botijão de gás, o que é ainda pior, de serem atingidos por alguma bala perdida durante as brigas de gangues.
O clima de desconfiança vai, aos poucos, quebrando os vínculos de solidariedade e acolhida, tão característicos das populações interioranas, gerando conflitos, intrigas, estupros, agressões contra vizinhos.
Os sintomas do distúrbio da insegurança atingem a todos: os jovens perdem o direito de circular livremente na cidade, onde as gangues já delimitaram seus territórios onde nenhum outro individuo de outra comunidade pode circular sem represálias.
As pessoas idosas são assaltadas quando recebem no banco, o dinheiro da aposentadoria. A ausência de uma policia cidadã que não inspira confiança torna o quadro ainda mais dramático. Em resposta a esse contexto, a cada dia, fica mais significativo o números de rituais de proteção usados, que vão desde o uso de símbolos protetores religiosos: como a cruz,os salmos, as medalhas, até o uso de cães e armas de fogo para sair às ruas.
A insegurança é o reflexo das condições sociais que se agravam a cada dia com a falta de emprego. Este clima de ameaça e de hostilidade leva os indivíduos a desconfiarem uns dos outros identificando qualquer pessoa desconhecida como possível inimigo. Com isso, praticam-se constantemente atos de discriminação, e exclusão contra o outro.
Existe também a cultura da violência que é estimulada e vivificada por uma contracultura, expressa nos filmes e programas de comunicação de massa, nos jogos de guerra e videogames que, transmitidos à nossa imaginação, sem critérios ou legislação adequada, reforçam a idéia de que o herói é aquele que consegue tudo através do uso da violência e da força contra o outro.
O espaço da família se vê invadido pela violência, na forma dos conflitos conjugais, na violência contra a mulher, nos maus tratos à criança.
No Brasil, ela toma contornos ainda mais dramáticos com o surgimento de programas televisivos que estão sempre mostrando cena de crime ao vivo com todas as cores da violência e crueldade. Se a segurança como fator social é necessária para que se possa inspirar a confiança recíproca dos homens, estar seguro e poder confiar em si mesmo, na sua capacidade de dominar, de comandar os instintos, transformando-os em força para viver,são necessidades básicas para a paz do indivíduo e a paz social que nele se origina . O que é preocupante é que o clima de insegurança pode ser fermento de violência e divisão no seio da sociedade, pelos medos e ações irracionais que ocasiona.
3- A BAIXA AUTO-ESTIMA:
É evidente que, além da violência e do abandono, a exclusão social gere sentimento de menos valia, de desvalorização do indivíduo. Soma-se a isso a força dos estereótipos e preconceitos sociais reforçados por uma educação que não leva em conta os valores próprios do indivíduo. Estes elementos contextuais: educação doméstica repressora, os estereótipos sociais que desvalorizam a pessoa acabam por anular, por dilapidar o patrimônio íntimo do homem: A confiança em si.
Desconhecem-se os dons inatos, aptidões e capacidades naturais. Desvalorizado, caso não consiga atingir os padrões intelectuais exigidos, introjeta o sentimento de incapacidade, e passa a não acreditar mais em si mesmo, se autoexclui, não se sentindo mais merecedor da felicidade, perdendo aos poucos a condição de amar e ser amado. Esse sentimento de descrença, em seu próprio potencial, se manifesta em vários níveis:
A) individual: leva as pessoas a calar sentimentos e emoções mais profundos, a apresentarem assim um alto índice de tensão psíquica e somatizações físicas ;
B) familiar: uma educação repressora baseada em xingamentos em que a criança, desde cedo, é desvalorizada, é vista como incapaz criando um campo fértil para nutrir a insegurança e o sentimento de desvalorização.
C) social: alto índice de abandono de empregos por se sentirem incapazes
O quadro mais dramático, dentro de uma favela, não é a miséria retratada nos casebres, e sim a miséria oculta no íntimo das criaturas. O sentimento de incapacidade e de descrença nos próprios potenciais é que vem reforçar a marginalização dos indivíduos no corpo social que, muitas vezes os faz perder chances de trabalho e inserção social que lhes aparecem, pois inconscientemente eles próprios auto boicotam todas as oportunidades para crescer e vencer.
Paralelamente às sessões de Terapia Comunitária, temos procurado minimizar este quadro criando grupos de reforço da auto-estima, através de técnicas e dinâmicas adaptadas às condições, procurando despertar o potencial humano amordaçado e colocá-lo a serviço de uma dinâmica individual e coletiva, levando as pessoas a se tornarem sujeitos da história e responsáveis pela existência.
Reflexões:
As síndromes relativas ao abandono, insegurança e baixa auto-estima constituem um quadro preocupante em escala nacional. Constituem fermentos de violência e divisão no seio de uma sociedade, pelos medos e ações irracionais que podem ocasionar. Esse clima de tensão, desespero e muita angústia só pode desaparecer com a maior presença de instituições comprometidas com o bem comum. Quando as instituições estão ausentes ou são inoperantes, os indivíduos criam suas próprias regras e leis e tende a imperar a autodefesa, o salve-se quem puder, o que potencializa cada vez mais a violência fratricida.
Faz-se necessário criar instrumentos aptos a estimular uma “ação criativa” nos indivíduos que vivem nestes contextos anômicos. Eles devem se apoiar em valores individuais próprios e em valores culturais anteriormente desqualificados. Em nossa experiência, os novos instrumentos só podem ser concebidos num contexto grupal, participativo e comunitário.
Nossa experiência tem nos firmado na convicção de que a solução está no coletivo e em suas interações, no compartilhar, nas identificações com o outro, no respeito às diferenças. Portanto é do grupo que devem emergir as soluções adaptadas. Essa perspectiva exige, dos profissionais, uma tomada de distância critica dos modelos explicativos do sofrimento, e das intervenções que implicam, muitas vezes em condutas lineares e redutoras (Exemplo do modelo biomédico que supervaloriza a quimioterapia ou modelo social que impõe, do exterior, ações tanto educativas como repressivas.).
Os profissionais devem fazer parte dessa construção. Ambos tiram benefícios: A comunidade gerando autonomia e inserção social e os terapeutas se curando de seu autismo institucional e profissional, bem como de sua alienação universitária. Uma política de Autopromoção do indivíduo, como fator transformador do corpo social, deve permitir a ruptura de modelos paternalistas, que geram dependência e castra a criatividade.
Não se trata de ficar somente à espera de investimento financeiro, mas sobretudo de investir no capital sócio-cultural do indivíduo excluído, para permiti-lo sair do lugar de objeto vítima, para um lugar de sujeito, ator de seu destino para tornar-se co-responsável na construção de uma sociedade mais igualitária, seja capaz de fazer suas escolhas criticas em busca de sua autonomia.
Investir em políticas sociais capazes de promover e consolidar os laços afetivos e sociais, capazes de fazer surgir um sentido de pertença cultural inscrita numa comunidade de vida. Sair dos espaços para investir mais nos laços, ultrapassar o modelo individual, onde a solução de todos os males é esperada de um único individuo externo ou do político.
Precisamos estimular movimentos participativos em que cada um dê sua contribuição, o que permite paralelamente ao grupo desenvolver-se no conjunto como um todo. Como foi dito para o subdesenvolvimento, a perda da estima de si é um estado de privação em relação ao próprio saber. É importante iniciar e desenvolver os espaços de restauração identitário onde a palavra pode se liberar. Os saberes científicos devem reconhecer e integrar, enfim, os saberes ditos populares. A restauração da estima de si dos excluídos constitui a pedra angular da luta contra as doenças da alma do século XXI.
Referencia Bibliografica:
1-Barreto A.P" UN MOVIMIENTO INTEGRADO DE SALUD MENTAL COMUNITARIA EN FORTALEZA, BRASIL" In Boletin Oficina Sanitaria Panamericana 117 (5), 1994 pag. 453-465
2-Barreto A.P" L'ARAINEE ET LA COMMUNAUTE TISSENT LEURS TOILES" in Transitions nº 37 ( Rites culturels et Droits de la Personne) 135-142 Paris 1994
3-Barreto A.P."LES AMES EN PEINE DANS LA VILLE" in Transitions nª 37( Rites culturels et Droits dela Personne) 127-134 Paris 1994
4-Barreto A.P.ASPECTS CULTURELS SPECIFIQUES DU SYNDROME DE POSSESSION ET LA RELATION THERAPEUTIQUE Conferencia no 3º Seminaire inter-culturel Henry collomb na França em outubro 1988.
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Adalberto de Paula Barreto é o criador da Terapia Comunitária Integrativa e Sistêmica.
sexta-feira, 21 de maio de 2010
A terapia comunitária e a recuperação da pessoa humana
Tratar de definir o que seja a espiritualidade, parece-me o começo necessário deste diálogo. Entendo por espiritualidade, a vivência de Deus ou do sagrado, por contraposição com a religiosidade, que é essa mesma vivência no âmbito de uma religião. A primeira, se processa no cotidiano, e, nesse sentido e contexto, tudo é sagrado. A segunda, se bem que possa estar incluída ou incluir a primeira, se processa sobre tudo, embora não exclusivamente, no âmbito definido como sagrado por uma religião.
Entendo por religião, um conjunto de práticas e crenças orientadas à vivência do sobrenatural e divino. Supõe, embora nem sempre, uma hierarquia sacerdotal ou de mediadores entre o humano e o divino, o que é suprimido tanto pela terapia comunitária --em que cada pessoa é o seu próprio mediador, se assim podemos nos expressar-- quanto na espiritualidade, âmbito por excelência da vivência mística ou da participação com Deus.
Pode ser contraditório, ou parecê-lo, colocar em âmbitos separados e até opostos, o que parece estar unido e ser uma única e a mesma coisa, isto é: a vivência e a crença. A experiência e a conceituação dessa mesma experiência. São como a forma e o conteúdo: indissociáveis. Mas, para fins da análise, devemos separá-los.
Uma coisa é crer em Deus, e outra, viver em Deus, ou com Deus, ser um com ele. Um é o âmbito da crença, como dissemos, outro o da experiência. Um o da religião, outro, o da mística.
Na terapia comunitária, abole-se a mediação entre o ser humano e o sagrado. Repõe-se no âmbito da sociabilidade que abole as barreiras de classe, social, de status socioeconômico, de nível intelectual, de aparência, raça, cor, religião, etc, a unidade e igualdade essencial da pessoa, seu pertencimento a uma realidade que a inclui, com seus atributos que lá fora, na vida anterior e exterior ao espaço da terapia comunitária como recriação da pessoa para si, opõe o igual ao seu igual, faz do irmão um inimigo, do vizinho um estranho, do diferente alguém perigoso, do pobre um desprezado que nada vale, do intelectual e do técnico, do doutor e do profissional, um que é tudo, que vale mais, e deve ser respeitado embora nem sempre mereça esse respeito.
Neste sentido, a terapia comunitária funciona como um embrião de religiosidade primitiva, sem o tom eclesiástico ou institucional que a palavra possa ter ou despertar. Religiosidade, no sentido de pertencimento, de união com o real, sem fissuras nem cisões. Aqui, a espiritualidade, nos parece, já se separa como uma prática ou um estado de consciência, em que a pessoa e a comunidade abolem as barreiras que a sociabilidade capitalista, a sociedade do pensamento único que classifica, que coisifica, que aliena o indivíduo de si mesmo e da vida, do tempo, da história e da memória, dos seus semelhantes.
Na terapia comunitária, a pessoa se reencontra consigo mesma, mas não com essa mesmidade que pode parecer coisa intimista ou excludente do coletivo, do social, e sim com a sua totalidade, com tudo que ela é. Ela recupera, vai recuperando gradativamente ou de uma só vez, a imagem do ser inteiro que ela é, da sua trajetória de vida, seus valores, os esforços pessoas e familiares de que é resultado, o seu projeto de futuro, ancorado num pertencimento coletivo que antes apenas podia vislumbrar e agora se lhe aparece como um horizonte concreto de existência.
Este processo ocorre nas rodas de terapia comunitária pelo Brasil afora, e, já, no Uruguay, onde desde o ano passado, um grupo de terapeutas comunitários vem trabalhando em setores como a recuperação de jovens uduários de drogas, e demais setores da atenção primária em saúde.
A pessoa, muitas vezes arremessada de cidades pequenas ou do campo para as grandes cidades, outras vezes, muito frequentemente, perdida na prisão de papéis sociais que lhe negam a identidade e a plena realização das suas potencialidades, redescobre o sentido da sua vida, depara-se novamente com a vida como algo a ser criado, construido epssoal e coletivamente, no seio da sua família, no convívio com vizinhos e coleags de trabalho ou de estudo. Em outras palavars, novamente se descobre autora do seu próprio destino, sujeito e não objeto.
Isto pode parecer ambicioso demais ou excessivo, se você não participou ainda destas experiências coletivas de recuperação de pessoas, mas quem já tem alguns passos dados nesta esrtarda, sabe o quanto se partilha de novos nascimentos cada vez que os terapuetas se encontram, cada vez que é posta a rodar novamente esta roda da vida que, não por acaso, se apoia essencialmente e muito fortemente, no pensamento de Paulo Freire, a pedagogia da autonomia, a educação como prática da liberdade.
Esta é uma das estradas, desses caminhos palmilhados por centenas de pessoas pelo Brasil afora, e, como dissemos, já em marcha no Uruguay, com entrada para a Argentina, na província de Misiones. São formas concretas de reconstrução da humanidade sobre novas bases, ou melhor, sobre bases olvidadas, que começam a ser redescobertas e postas em prática.
Entendo por religião, um conjunto de práticas e crenças orientadas à vivência do sobrenatural e divino. Supõe, embora nem sempre, uma hierarquia sacerdotal ou de mediadores entre o humano e o divino, o que é suprimido tanto pela terapia comunitária --em que cada pessoa é o seu próprio mediador, se assim podemos nos expressar-- quanto na espiritualidade, âmbito por excelência da vivência mística ou da participação com Deus.
Pode ser contraditório, ou parecê-lo, colocar em âmbitos separados e até opostos, o que parece estar unido e ser uma única e a mesma coisa, isto é: a vivência e a crença. A experiência e a conceituação dessa mesma experiência. São como a forma e o conteúdo: indissociáveis. Mas, para fins da análise, devemos separá-los.
Uma coisa é crer em Deus, e outra, viver em Deus, ou com Deus, ser um com ele. Um é o âmbito da crença, como dissemos, outro o da experiência. Um o da religião, outro, o da mística.
Na terapia comunitária, abole-se a mediação entre o ser humano e o sagrado. Repõe-se no âmbito da sociabilidade que abole as barreiras de classe, social, de status socioeconômico, de nível intelectual, de aparência, raça, cor, religião, etc, a unidade e igualdade essencial da pessoa, seu pertencimento a uma realidade que a inclui, com seus atributos que lá fora, na vida anterior e exterior ao espaço da terapia comunitária como recriação da pessoa para si, opõe o igual ao seu igual, faz do irmão um inimigo, do vizinho um estranho, do diferente alguém perigoso, do pobre um desprezado que nada vale, do intelectual e do técnico, do doutor e do profissional, um que é tudo, que vale mais, e deve ser respeitado embora nem sempre mereça esse respeito.
Neste sentido, a terapia comunitária funciona como um embrião de religiosidade primitiva, sem o tom eclesiástico ou institucional que a palavra possa ter ou despertar. Religiosidade, no sentido de pertencimento, de união com o real, sem fissuras nem cisões. Aqui, a espiritualidade, nos parece, já se separa como uma prática ou um estado de consciência, em que a pessoa e a comunidade abolem as barreiras que a sociabilidade capitalista, a sociedade do pensamento único que classifica, que coisifica, que aliena o indivíduo de si mesmo e da vida, do tempo, da história e da memória, dos seus semelhantes.
Na terapia comunitária, a pessoa se reencontra consigo mesma, mas não com essa mesmidade que pode parecer coisa intimista ou excludente do coletivo, do social, e sim com a sua totalidade, com tudo que ela é. Ela recupera, vai recuperando gradativamente ou de uma só vez, a imagem do ser inteiro que ela é, da sua trajetória de vida, seus valores, os esforços pessoas e familiares de que é resultado, o seu projeto de futuro, ancorado num pertencimento coletivo que antes apenas podia vislumbrar e agora se lhe aparece como um horizonte concreto de existência.
Este processo ocorre nas rodas de terapia comunitária pelo Brasil afora, e, já, no Uruguay, onde desde o ano passado, um grupo de terapeutas comunitários vem trabalhando em setores como a recuperação de jovens uduários de drogas, e demais setores da atenção primária em saúde.
A pessoa, muitas vezes arremessada de cidades pequenas ou do campo para as grandes cidades, outras vezes, muito frequentemente, perdida na prisão de papéis sociais que lhe negam a identidade e a plena realização das suas potencialidades, redescobre o sentido da sua vida, depara-se novamente com a vida como algo a ser criado, construido epssoal e coletivamente, no seio da sua família, no convívio com vizinhos e coleags de trabalho ou de estudo. Em outras palavars, novamente se descobre autora do seu próprio destino, sujeito e não objeto.
Isto pode parecer ambicioso demais ou excessivo, se você não participou ainda destas experiências coletivas de recuperação de pessoas, mas quem já tem alguns passos dados nesta esrtarda, sabe o quanto se partilha de novos nascimentos cada vez que os terapuetas se encontram, cada vez que é posta a rodar novamente esta roda da vida que, não por acaso, se apoia essencialmente e muito fortemente, no pensamento de Paulo Freire, a pedagogia da autonomia, a educação como prática da liberdade.
Esta é uma das estradas, desses caminhos palmilhados por centenas de pessoas pelo Brasil afora, e, como dissemos, já em marcha no Uruguay, com entrada para a Argentina, na província de Misiones. São formas concretas de reconstrução da humanidade sobre novas bases, ou melhor, sobre bases olvidadas, que começam a ser redescobertas e postas em prática.
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Espiritualidade e Terapia Comunitária
Nestes anos em que venho participando da Terapia Comunitária, já como curioso ou então como colaborador em distintos trabalhos, tenho tido a oportunidade de observar que a conexão entre espiritualidade e Terapia Comunitária é intensa e profunda.
As rodas de Terapia Comunitária concluem com rituais de integração. São momentos de comunhão com o sagrado, de reforço de laços solidários. São momentos em que revive a religiosidade adormecida. As pessoas se abraçam, formam-se rodas, cantam-se hinos religiosos, abençoam-se uns aos outros, incluindo os ausentes. Mas não quero me referir aqui somente a manifestações explícitas de religiosidade, e sim, pontuar o que me parece ainda mais importante, que é como, a partir da prática da terapia comunitária, da redescoberta de si mesmo e da nossa inserção num todo maior, praticam-se a fraternidade, o amor de uns pelos outros, o amor a si mesmo, o respeito e a reverência à vida nas suas distintas manifestações, na sua misteriosa inextinguibilidade.
Quando as pessoas aprendem a se escutar com atenção e respeito, e ao ouvir o outro percebo que ele e eu somos semelhantes, passamos por sofrimentos parecidos ou situações também parecidas, surge uma empatia. Eu e o outro não somos tão diferentes. Ela ou ele, e eu, temos muito em comum. Eu ajudo e sou ajudado. As redes, a teia de aranha, não são símbolos sem significado, mas realidades concretas.
Quando, na finalização da roda de Terapia, nos abraçamos uns aos outros, é porque juntos descobrimos uma força maior, uma que estava adormecida ou esquecida, como dissemos, e que foi revivida em poucos minutos.
Quando a Terapia Comunitária chegou em João Pessoa em 2004, no bairro dos Ambulantes, na louça da sala da Associação dos Moradores do Bairro em que se iniciaram os trabalhos, estava escrito: Juntos podemos vencer todos os problemas. Não poderia haver nada mais significativo. O reencontro da força coletiva, a recuperação da fé em si e na comunidade como ator social concreto, efetivo, no empoderamento das pessoas e na revitalização dos seus laços de pertencimento ao tempo e à vida, à sociedade e ao mundo atual, é profundamente religioso, no sentido original do termo.
Alguns alunos do Programa de Posgraduação em Enfermagem da UFPB tem pesquisado a influência ou presença da fé nas rodas de terapia no Rio Grande do Norte. Outros, tem levantado, em entrevista com profissionais da saúde formados em Pedras de Fogo, Paraíba, a autoconsciência do renascimento que se processa na pessoa no processo de formação em Terapia Comunitária.
Ainda, no México, no Uruguay, e na Venezuela, tenho observado a confluência de tradições místicas da humanidade, entre as pessoas na ENEO-UNAM, na Facultad de Enfermería de la Universidad de la República (UDELAR), e na Universidad de Crarabobo.
O clima de alegria, a sensação de as pessoas serem vencedoras, o sentirem-se parte de uma força ativa de saração, é profundamente espiritual. Pessoas tem visto cor violeta (Uruguay), após uma sensiblização realizada, na qual, no final, cantou-se o Ave Maria. No México, um reviver da tradição asteca e tolteca, na visita às pirâmides de Cholula e Teotihuacán. Na Venezuela, um eclodir da alegria espontânea e gratuita que se expressam na dança e na piada, no mútuo se alegrar com a companhia dos promotores da vida, dos parteiros da esperança.
Não estamos falando apenas –embora também—das formas de religiosidade explícita, mas, sobre tudo, de vivências do sagrado. Nas Ocas do Índio em Beberibe-CE, nos encontros de formadores ou nas vivências durante a formação como terapeutas comunitários, temos vivenciado em nós e no grupo, estas sensações de pertencimento, de uma calma que ultrapassa a compreensão, uma sensação de paz, um estado de inexprimível unidade.
Já não importa o cargo ou a profissão, o papel social da pessoa ou a sua educação (grau de escolaridade), mas entre todos se criam laços de união duradouros que perpassam o tempo e as distâncias. É isto.
As rodas de Terapia Comunitária concluem com rituais de integração. São momentos de comunhão com o sagrado, de reforço de laços solidários. São momentos em que revive a religiosidade adormecida. As pessoas se abraçam, formam-se rodas, cantam-se hinos religiosos, abençoam-se uns aos outros, incluindo os ausentes. Mas não quero me referir aqui somente a manifestações explícitas de religiosidade, e sim, pontuar o que me parece ainda mais importante, que é como, a partir da prática da terapia comunitária, da redescoberta de si mesmo e da nossa inserção num todo maior, praticam-se a fraternidade, o amor de uns pelos outros, o amor a si mesmo, o respeito e a reverência à vida nas suas distintas manifestações, na sua misteriosa inextinguibilidade.
Quando as pessoas aprendem a se escutar com atenção e respeito, e ao ouvir o outro percebo que ele e eu somos semelhantes, passamos por sofrimentos parecidos ou situações também parecidas, surge uma empatia. Eu e o outro não somos tão diferentes. Ela ou ele, e eu, temos muito em comum. Eu ajudo e sou ajudado. As redes, a teia de aranha, não são símbolos sem significado, mas realidades concretas.
Quando, na finalização da roda de Terapia, nos abraçamos uns aos outros, é porque juntos descobrimos uma força maior, uma que estava adormecida ou esquecida, como dissemos, e que foi revivida em poucos minutos.
Quando a Terapia Comunitária chegou em João Pessoa em 2004, no bairro dos Ambulantes, na louça da sala da Associação dos Moradores do Bairro em que se iniciaram os trabalhos, estava escrito: Juntos podemos vencer todos os problemas. Não poderia haver nada mais significativo. O reencontro da força coletiva, a recuperação da fé em si e na comunidade como ator social concreto, efetivo, no empoderamento das pessoas e na revitalização dos seus laços de pertencimento ao tempo e à vida, à sociedade e ao mundo atual, é profundamente religioso, no sentido original do termo.
Alguns alunos do Programa de Posgraduação em Enfermagem da UFPB tem pesquisado a influência ou presença da fé nas rodas de terapia no Rio Grande do Norte. Outros, tem levantado, em entrevista com profissionais da saúde formados em Pedras de Fogo, Paraíba, a autoconsciência do renascimento que se processa na pessoa no processo de formação em Terapia Comunitária.
Ainda, no México, no Uruguay, e na Venezuela, tenho observado a confluência de tradições místicas da humanidade, entre as pessoas na ENEO-UNAM, na Facultad de Enfermería de la Universidad de la República (UDELAR), e na Universidad de Crarabobo.
O clima de alegria, a sensação de as pessoas serem vencedoras, o sentirem-se parte de uma força ativa de saração, é profundamente espiritual. Pessoas tem visto cor violeta (Uruguay), após uma sensiblização realizada, na qual, no final, cantou-se o Ave Maria. No México, um reviver da tradição asteca e tolteca, na visita às pirâmides de Cholula e Teotihuacán. Na Venezuela, um eclodir da alegria espontânea e gratuita que se expressam na dança e na piada, no mútuo se alegrar com a companhia dos promotores da vida, dos parteiros da esperança.
Não estamos falando apenas –embora também—das formas de religiosidade explícita, mas, sobre tudo, de vivências do sagrado. Nas Ocas do Índio em Beberibe-CE, nos encontros de formadores ou nas vivências durante a formação como terapeutas comunitários, temos vivenciado em nós e no grupo, estas sensações de pertencimento, de uma calma que ultrapassa a compreensão, uma sensação de paz, um estado de inexprimível unidade.
Já não importa o cargo ou a profissão, o papel social da pessoa ou a sua educação (grau de escolaridade), mas entre todos se criam laços de união duradouros que perpassam o tempo e as distâncias. É isto.
Frente de combate à pedra da ruína: o crack, por Andreia Manzolli
Olá grande rede, sabemos que a Terapia Comunitária tem sido uma ferramenta em várias esferas do sofrimento humano. Gostaria de compartilhar e de informar a mobilização que está sendo feita por órgãos lidados ao combate das drogas, mães e pais que estão desesperados por verem seus filhos se enveredarem nesse caminho, a sociedade que paga cada vez mais com os efeitos do aumento do uso principalmente do crack, que é capaz de desenvolver estados de dependência com muito maior frequência e com potencial maior, ou seja, não precisa fumar muita pedra para desenvolver um quadro grave de dependência.
Por conta do alto grau de dependência e fissura, essas pessoas perdem referências, princípios, valores, verdadeiramente se desumanizam e parecem ter congelado e se desconectado com o mundo dos humanos. Meu trabalho tem sido um desafio, juntamente com toda esquipe da Comunidade Terapêutica Reviver, em que cada um com sua história cheia de dores e atos infracionais que chegam a ser arrepiantes, relacionados ao consumo do álcool e drogas (principalmente o crack) são reconhecidos num contexto mais amplo, no qual, ao contarem com uma oportunidade de se conscientizarem acerca dos próprios problemas podem desenvolver a capacidade de redefini-los e responsabilizar-se por suas próprias escolhas e atos.
Gostaria de alertar para o trabalho preventivo também, de apostar em informações, resgate dos valores e princípios humanos, conscientizar a criançada e os adolescentes desse caminho que como eu mencionei é o da pedra da ruína. Gostaria de enviar um site de uma ong www.cisa.org.br que tem feito trabalhos preventivos para jovens de forma lúdica e incentivado a prática de esporte.
Todos sabemos que em qualquer comunidade, em qualquer roda, o tema Álcool e drogas são bem frequentes. Que possamos também ajudar a prevenir, afinal como diriam nossos avós "antes prevenir que remediar". Gostaria de dizer que o grupo de NA (narcóticos anônimos) possuem em seu estatuto o 12 passo, onde levam mensagem para vários lugares. Eles estão "limpos, em recuperação, já que a Organização mundial da Saúde vê a dependência química e de álcool uma doença crônica, progressiva e fatal. Essas pessoas podem levar mensagens em escolas, em rodas de TC, enfim, é através da história deles contada, do sofrimento vivido e da superação que podemos também utilizar como estratégia nessa luta. Quem tiver ou souber de outras estratégias, ongs, trabalhos nesse combate participe dando seu depoimento.
Esse trabalho que venho desenvolvendo junto com a equipe Reviver vai nesse encontro, de resgatar conexões humanas, valores, princípios, auto-conhecimento, novo script de vida.
Por conta do alto grau de dependência e fissura, essas pessoas perdem referências, princípios, valores, verdadeiramente se desumanizam e parecem ter congelado e se desconectado com o mundo dos humanos. Meu trabalho tem sido um desafio, juntamente com toda esquipe da Comunidade Terapêutica Reviver, em que cada um com sua história cheia de dores e atos infracionais que chegam a ser arrepiantes, relacionados ao consumo do álcool e drogas (principalmente o crack) são reconhecidos num contexto mais amplo, no qual, ao contarem com uma oportunidade de se conscientizarem acerca dos próprios problemas podem desenvolver a capacidade de redefini-los e responsabilizar-se por suas próprias escolhas e atos.
Gostaria de alertar para o trabalho preventivo também, de apostar em informações, resgate dos valores e princípios humanos, conscientizar a criançada e os adolescentes desse caminho que como eu mencionei é o da pedra da ruína. Gostaria de enviar um site de uma ong www.cisa.org.br que tem feito trabalhos preventivos para jovens de forma lúdica e incentivado a prática de esporte.
Todos sabemos que em qualquer comunidade, em qualquer roda, o tema Álcool e drogas são bem frequentes. Que possamos também ajudar a prevenir, afinal como diriam nossos avós "antes prevenir que remediar". Gostaria de dizer que o grupo de NA (narcóticos anônimos) possuem em seu estatuto o 12 passo, onde levam mensagem para vários lugares. Eles estão "limpos, em recuperação, já que a Organização mundial da Saúde vê a dependência química e de álcool uma doença crônica, progressiva e fatal. Essas pessoas podem levar mensagens em escolas, em rodas de TC, enfim, é através da história deles contada, do sofrimento vivido e da superação que podemos também utilizar como estratégia nessa luta. Quem tiver ou souber de outras estratégias, ongs, trabalhos nesse combate participe dando seu depoimento.
Esse trabalho que venho desenvolvendo junto com a equipe Reviver vai nesse encontro, de resgatar conexões humanas, valores, princípios, auto-conhecimento, novo script de vida.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Pólo MISC-PB
O Pólo MISC/PB foi criado em 2008 e tem como finalidade formar terapeutas comunitários para atuar junto a grupos comunitários na promoção da saúde, prevenção do adoecimento e inclusão social. Junto ao grupo de Estudos e Pesquisa em Saúde Comunitária do PPGENF/UFPB, vem incentivando e fomentando a realização de projetos de ensino, pesquisa e extensão.
EQUIPE DO PÓLO
TC, Facilitadora e Intervisora Ana Vigarani
TC, Facilitadora e Intervisora Maria Djair Dias
TC, Facilitadora e Intervisora Maria Filha
TC e Intervisora Lucineide Braga
TC e Intervisora Kalina Cícera Macêdo
TC e Intervisora Márcia Rique
TC e Facilitador Rolando Lazarte
EQUIPE DO PÓLO
TC, Facilitadora e Intervisora Ana Vigarani
TC, Facilitadora e Intervisora Maria Djair Dias
TC, Facilitadora e Intervisora Maria Filha
TC e Intervisora Lucineide Braga
TC e Intervisora Kalina Cícera Macêdo
TC e Intervisora Márcia Rique
TC e Facilitador Rolando Lazarte
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
A terapia comunitária como política pública
Doralice Oliveira Gomes*
Pouco a pouco se fez (e se faz) um caminho
A TC é uma metodologia que proporciona o encontro entre as pessoas para que conheçam melhor a si e à comunidade em que vivem, e juntos busquem alternativas para lidar com os problemas do cotidiano.
A TC foi criada e aprimorada pelo Prof. Dr. Adalberto Barreto da Universidade Federal do Ceará a partir de sua experiência com os moradores da favela do Pirambu em Fortaleza-Ceará. De início enfrentou o desafio de favorecer a saúde comunitária e a inserção social lidando com a complexidade vivenciada pelas pessoas com baixa renda. O principal desafio foi unir o saber acadêmico e o saber popular numa perspectiva de complementaridade, num ?choque criativo?, como ele mesmo nomeia, de modo a ampliar as possibilidades de resolução dos problemas vividos no cotidiano (Barreto, 2008).
A utilização e o aprimoramento desta metodologia ao longo dos anos têm demonstrado, por meio de pesquisas, resultados muito relevantes na atuação junto às comunidades, em especial com maiores vulnerabilidades sociais. Tais resultados possibilitaram que a TC adquirisse status de política pública em âmbito municipal, estadual e federal (Camarotti e Gomes, 2008).
A Terapia Comunitária
Conforme apresentado a Terapia Comunitária é uma metodologia de intervenção nos grupos sociais que objetiva a criação e o fortalecimento de redes sociais solidárias. Alicerça-se no princípio que a comunidade possui seus problemas mas também desenvolve estratégias para lidar com sua realidade. A TC é um espaço de acolhimento para as pessoas que favorece a troca de experiências entre elas. Todos têm oportunidade de reconhecer os saberes adquiridos com a experiência de vida e a colaborar com o seu bem estar, auto-conhecimento, auto-estima e também dos demais participantes do grupo.
A TC foi desenvolvida segundo os seguintes pilares teóricos: pensamento sistêmico, antropologia cultural, teoria da comunicação, pedagogia de Paulo Freire e resiliência (Barreto, 2008). Estes fundamentos evidenciam que a base de sustentação da TC está ancorada na visão complexa dos fatos, no respeito à diversidade cultural, no resgate e valorização dos saberes adquiridos e na capacidade de superação das pessoas.
Para que a TC aconteça é necessária a presença de um terapeuta comunitário. Ele é responsável pela condução do grupo de acordo com os princípios e a sistemática da TC.
O terapeuta comunitário à medida que coordena possibilita que as histórias de vida dos participantes sejam valorizadas, assim como seus recursos culturais. É um processo que favorece o resgate da identidade individual e coletiva, da auto-estima, da confiança em si, da ampliação da percepção dos problemas e possibilidades de resolução (Senad, 2006).
Pesquisa realizada em 2005/2006 com base em 12.000 rodas de terapia comunitária identificou vários benefícios propiciados pela participação nos grupos. Destacou-se dentre os dados levantados que das situações problema trazidas pelos participantes apenas 11,5% necessitaram encaminhamento para serviços especializados, ou seja, 88,5% encontraram resolutividade na própria TC e nos recursos locais como grupos de ajuda-mútua, vizinhos, entre outros, evidenciando a força de auto-cuidado existente na própria comunidade (Barreto, 2008).
A pesquisa mostrou que os grupos sociais têm iniciativa nos seus processos de cuidado, não ficando a cargo somente de serviços especializados. Outra reflexão que reforça a concepção da capacidade de auto-cuidado dos grupos é a constatação de que a promoção de redes sociais que resultem em vínculos de solidariedade entre as pessoas constitui-se num fator de promoção à saúde individual, familiar e coletiva.
A Terapia Comunitária nas políticas públicas
Os resultados demonstrados ao longo dos anos têm chamado a atenção de autoridades governamentais que reconhecem a contribuição da TC na promoção da qualidade de vida das pessoas. Estes benefícios fundamentaram o posicionamento da TC como uma política pública em várias áreas como a educação, saúde, segurança pública, justiça e ação social.
O baixo custo, a alta efetividade, o empoderamento das comunidades e a busca de soluções participativas alicerçam a TC como uma política pública adequada no atendimento das diversas e complexas demandas presentes no contexto social brasileiro.
Outro dado relevante que favoreceu o apoio governamental diz respeito à grande capilaridade do movimento da TC no Brasil. A rede da TC é ampla, contando com 12000 terapeutas comunitários que atuam em suas comunidades como voluntários ou associando a TC à sua atuação profissional (pública ou privada). A formação e o acompanhamento dos grupos também encontram-se estruturados. Todas as regiões brasileiras possuem Pólos de Formação, num total de 36, e os terapeutas comunitários estão organizados pela Associação Brasileira de Terapia Comunitária ? ABRATECOM .
A seguir serão apresentados alguns exemplos de validação oficial da TC no âmbito das políticas públicas. A TC é reconhecida pelo Ministério da Saúde como uma política pública de saúde na atenção básica às famílias. O Ministério da Saúde está investindo na capacitação de profissionais do Programa Saúde da Família em Terapia Comunitária. O objetivo é que a prática da TC seja incorporada às ações do PSF com uma estratégia de saúde da família.
A Secretaria Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas da Presidência da República também valida a TC como uma política pública que contribui na prevenção, tratamento e reinserção social de usuários e familiares de dependentes de drogas. Investiu na capacitação de 800 profissionais e lideranças comunitárias nos anos de 2005 e 2006 para ampliar e fortalecer a rede de atenção relacionada à atenção na área de drogas.
Outro exemplo de destaque é o reconhecimento da TC pela Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. No momento atual integra as ações da rede de saúde primária do município.
A TC faz parte hoje das políticas públicas de saúde e de prevenção e atenção na área de drogas. Estes são exemplos significativos à medida que evidenciam um percurso que foi construído e consolidado a muitas mãos, com especial ênfase na participação comunitária.
A experiência trilhada pela TC para a validação como política pública é notória. Foram necessários anos de saberes acumulados, persistência diante de inúmeros obstáculos, permanência e aprimoramento da ação, articulação entre pessoas e instituições do país, participação das comunidades envolvidas e validação por pesquisa.
Vemos, desta forma, a caminhada iniciada há mais de 20 anos pelo Dr. Adalberto e os moradores do Pirambu consolidando-se e aprimorando-se ainda mais, contribuindo para a grande rede de atuação comunitária existente no país que busca efetivamente colaborar para que as pessoas possam viver bem, com qualidade. O princípio da solidariedade, base de sustentação da TC, é reforçado pela importância da articulação entre governo e sociedade e entre os próprios movimentos sociais existentes. O objetivo é comum a todos: contribuir para o bem estar social. O reconhecimento desta rede é fundamental para que este objetivo possa ser alcançado.
A TC reconhece-se como um elo importante neste tecido social e busca, da melhor forma possível, contribuir nos contextos onde atua. Consciente de que um elo é tão mais forte quanto a força da rede que integra. É como diz a canção ?um mais um é sempre mais que dois?.
Referências bibliográficas
BARRETO, A. (2008) Terapia Comunitária Passo a Passo. Fortaleza, Grática LCR, 2005. p.335.
CAMAROTTI, M.H.. GOMES, D. O (2008) Terapia Comunitária: circularidade nas relações sociais. In Osório, L. C. e Valle,M. E. P. Manual de Terapia Familiar.ArtMed. RS
SENAD. (2006) A Prevenção do Uso de Drogas e a Terapia Comunitária. Brasília, 2006.
Doralice Oliveira Gomes. Psicóloga, terapeuta comunitária, coordenadora administrativa da implantação da Terapia Comunitária na Rede SUS, coordenadora pedagógica da implantação da Terapia Comunitária nas comunidades indígenas, consultora de projetos governamentais, não governamentais e de organismos internacionais, ex-coordenadora geral de prevenção da Secretaria Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. E-mail: doralice32@hotmail.com
Pouco a pouco se fez (e se faz) um caminho
A TC é uma metodologia que proporciona o encontro entre as pessoas para que conheçam melhor a si e à comunidade em que vivem, e juntos busquem alternativas para lidar com os problemas do cotidiano.
A TC foi criada e aprimorada pelo Prof. Dr. Adalberto Barreto da Universidade Federal do Ceará a partir de sua experiência com os moradores da favela do Pirambu em Fortaleza-Ceará. De início enfrentou o desafio de favorecer a saúde comunitária e a inserção social lidando com a complexidade vivenciada pelas pessoas com baixa renda. O principal desafio foi unir o saber acadêmico e o saber popular numa perspectiva de complementaridade, num ?choque criativo?, como ele mesmo nomeia, de modo a ampliar as possibilidades de resolução dos problemas vividos no cotidiano (Barreto, 2008).
A utilização e o aprimoramento desta metodologia ao longo dos anos têm demonstrado, por meio de pesquisas, resultados muito relevantes na atuação junto às comunidades, em especial com maiores vulnerabilidades sociais. Tais resultados possibilitaram que a TC adquirisse status de política pública em âmbito municipal, estadual e federal (Camarotti e Gomes, 2008).
A Terapia Comunitária
Conforme apresentado a Terapia Comunitária é uma metodologia de intervenção nos grupos sociais que objetiva a criação e o fortalecimento de redes sociais solidárias. Alicerça-se no princípio que a comunidade possui seus problemas mas também desenvolve estratégias para lidar com sua realidade. A TC é um espaço de acolhimento para as pessoas que favorece a troca de experiências entre elas. Todos têm oportunidade de reconhecer os saberes adquiridos com a experiência de vida e a colaborar com o seu bem estar, auto-conhecimento, auto-estima e também dos demais participantes do grupo.
A TC foi desenvolvida segundo os seguintes pilares teóricos: pensamento sistêmico, antropologia cultural, teoria da comunicação, pedagogia de Paulo Freire e resiliência (Barreto, 2008). Estes fundamentos evidenciam que a base de sustentação da TC está ancorada na visão complexa dos fatos, no respeito à diversidade cultural, no resgate e valorização dos saberes adquiridos e na capacidade de superação das pessoas.
Para que a TC aconteça é necessária a presença de um terapeuta comunitário. Ele é responsável pela condução do grupo de acordo com os princípios e a sistemática da TC.
O terapeuta comunitário à medida que coordena possibilita que as histórias de vida dos participantes sejam valorizadas, assim como seus recursos culturais. É um processo que favorece o resgate da identidade individual e coletiva, da auto-estima, da confiança em si, da ampliação da percepção dos problemas e possibilidades de resolução (Senad, 2006).
Pesquisa realizada em 2005/2006 com base em 12.000 rodas de terapia comunitária identificou vários benefícios propiciados pela participação nos grupos. Destacou-se dentre os dados levantados que das situações problema trazidas pelos participantes apenas 11,5% necessitaram encaminhamento para serviços especializados, ou seja, 88,5% encontraram resolutividade na própria TC e nos recursos locais como grupos de ajuda-mútua, vizinhos, entre outros, evidenciando a força de auto-cuidado existente na própria comunidade (Barreto, 2008).
A pesquisa mostrou que os grupos sociais têm iniciativa nos seus processos de cuidado, não ficando a cargo somente de serviços especializados. Outra reflexão que reforça a concepção da capacidade de auto-cuidado dos grupos é a constatação de que a promoção de redes sociais que resultem em vínculos de solidariedade entre as pessoas constitui-se num fator de promoção à saúde individual, familiar e coletiva.
A Terapia Comunitária nas políticas públicas
Os resultados demonstrados ao longo dos anos têm chamado a atenção de autoridades governamentais que reconhecem a contribuição da TC na promoção da qualidade de vida das pessoas. Estes benefícios fundamentaram o posicionamento da TC como uma política pública em várias áreas como a educação, saúde, segurança pública, justiça e ação social.
O baixo custo, a alta efetividade, o empoderamento das comunidades e a busca de soluções participativas alicerçam a TC como uma política pública adequada no atendimento das diversas e complexas demandas presentes no contexto social brasileiro.
Outro dado relevante que favoreceu o apoio governamental diz respeito à grande capilaridade do movimento da TC no Brasil. A rede da TC é ampla, contando com 12000 terapeutas comunitários que atuam em suas comunidades como voluntários ou associando a TC à sua atuação profissional (pública ou privada). A formação e o acompanhamento dos grupos também encontram-se estruturados. Todas as regiões brasileiras possuem Pólos de Formação, num total de 36, e os terapeutas comunitários estão organizados pela Associação Brasileira de Terapia Comunitária ? ABRATECOM .
A seguir serão apresentados alguns exemplos de validação oficial da TC no âmbito das políticas públicas. A TC é reconhecida pelo Ministério da Saúde como uma política pública de saúde na atenção básica às famílias. O Ministério da Saúde está investindo na capacitação de profissionais do Programa Saúde da Família em Terapia Comunitária. O objetivo é que a prática da TC seja incorporada às ações do PSF com uma estratégia de saúde da família.
A Secretaria Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas da Presidência da República também valida a TC como uma política pública que contribui na prevenção, tratamento e reinserção social de usuários e familiares de dependentes de drogas. Investiu na capacitação de 800 profissionais e lideranças comunitárias nos anos de 2005 e 2006 para ampliar e fortalecer a rede de atenção relacionada à atenção na área de drogas.
Outro exemplo de destaque é o reconhecimento da TC pela Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. No momento atual integra as ações da rede de saúde primária do município.
A TC faz parte hoje das políticas públicas de saúde e de prevenção e atenção na área de drogas. Estes são exemplos significativos à medida que evidenciam um percurso que foi construído e consolidado a muitas mãos, com especial ênfase na participação comunitária.
A experiência trilhada pela TC para a validação como política pública é notória. Foram necessários anos de saberes acumulados, persistência diante de inúmeros obstáculos, permanência e aprimoramento da ação, articulação entre pessoas e instituições do país, participação das comunidades envolvidas e validação por pesquisa.
Vemos, desta forma, a caminhada iniciada há mais de 20 anos pelo Dr. Adalberto e os moradores do Pirambu consolidando-se e aprimorando-se ainda mais, contribuindo para a grande rede de atuação comunitária existente no país que busca efetivamente colaborar para que as pessoas possam viver bem, com qualidade. O princípio da solidariedade, base de sustentação da TC, é reforçado pela importância da articulação entre governo e sociedade e entre os próprios movimentos sociais existentes. O objetivo é comum a todos: contribuir para o bem estar social. O reconhecimento desta rede é fundamental para que este objetivo possa ser alcançado.
A TC reconhece-se como um elo importante neste tecido social e busca, da melhor forma possível, contribuir nos contextos onde atua. Consciente de que um elo é tão mais forte quanto a força da rede que integra. É como diz a canção ?um mais um é sempre mais que dois?.
Referências bibliográficas
BARRETO, A. (2008) Terapia Comunitária Passo a Passo. Fortaleza, Grática LCR, 2005. p.335.
CAMAROTTI, M.H.. GOMES, D. O (2008) Terapia Comunitária: circularidade nas relações sociais. In Osório, L. C. e Valle,M. E. P. Manual de Terapia Familiar.ArtMed. RS
SENAD. (2006) A Prevenção do Uso de Drogas e a Terapia Comunitária. Brasília, 2006.
Doralice Oliveira Gomes. Psicóloga, terapeuta comunitária, coordenadora administrativa da implantação da Terapia Comunitária na Rede SUS, coordenadora pedagógica da implantação da Terapia Comunitária nas comunidades indígenas, consultora de projetos governamentais, não governamentais e de organismos internacionais, ex-coordenadora geral de prevenção da Secretaria Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. E-mail: doralice32@hotmail.com
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
A terapia comunitária como ferramenta de inclusão social
Nos dias de hoje, muito se ouve falar sobre inclusão social. Para quem, como eu, tem estudado a marginalidade social desde pontos de vista sociológicos, o conceito de inclusão social remete a uma integração de setores marginalizados no quadro da estrutura social vigente.
No contexto destas breves reflexões que hoje quero partilhar com vocês, a inclusão social tem um aspecto de integração da personalidade e integração na sociedade.
Nas rodas da terapia comunitária, que é chamada de integrativa e sistêmica, as pessoas passam a perceber a unidade das suas vidas, o fio condutor que costura, unificando, os fatos primeiros e derradeiros das suas vidas. Isto ocorre de várias formas.
A história pessoal de cada um e de cada uma vem a tona, e se emparenta com as histórias de vida dos outros presentes. A saída da roça ou da cidade pequena para a grande cidade, para a periferia urbana, com a conseqüente sensação de perda de identidade, são sentimentos comuns aos migrantes no Brasil e em qualquer parte do mundo.
Mudam os costumes, deixo de ser alguém inserido numa trama de relações habituais, para passar a ser algo estranho, um desenraizado, uma alma penada, como diz Adalberto Barreto em “As dores da alma dos excluídos no Brasil”. Quando passo a fazer parte da roda da terapia, começa a se costurar a minha própria história, ela ganha coerência e consistência. Já não sou mais um João ninguém.
Outros pronunciam meu nome uma vez à semana, ao menos. São lembrados os aniversários, canta-se e dança-se juntos. Muitas donas de casa que não saiam das suas casas, vêem outras pessoas, sorriem, encontram um sentido maior no seu viver, do que meramente atenderem marido e filhos que, muitas vezes, tem suas próprias vidas à margem da delas.
Aposentados que apenas viviam à espera da morte, recuperam a alegria de viver, brincam, contam chistes, dançam nas rodas e entoam orações com crianças, com jovens, com estudantes e doutores da universidade e técnicos em saúde, agentes comunitários, etc. A integração funciona para todos, para os de baixo e os do meio, na verdade, uns e outros geram uma mandala giratória, em que ninguém sabe quem é o outro.
Apenas um igual, alguém que como eu se perdeu ou se perde ainda, e se reencontra. Assim, a inclusão funciona para dentro e para fora da pessoa. Eu me incluo na medida em que me sinto incluído numa história comum, numa fala comum em que me reconheço. Neste sentido, inclusão e integração, funcionam quase como sinônimos.
Os estudantes e doutores, médicos e professores, por sua vez, quebram a barreira do isolamento que a educação superior produz com freqüência, e se redescobrem gente, apenas gente. Nestas rodas, se processam momentos de encontro das pessoas consigo mesmas, motivo pelo qual pode se dizer, como conclusão destas breves considerações, que a terapia comunitária é uma ferramenta de inclusão social.
No contexto destas breves reflexões que hoje quero partilhar com vocês, a inclusão social tem um aspecto de integração da personalidade e integração na sociedade.
Nas rodas da terapia comunitária, que é chamada de integrativa e sistêmica, as pessoas passam a perceber a unidade das suas vidas, o fio condutor que costura, unificando, os fatos primeiros e derradeiros das suas vidas. Isto ocorre de várias formas.
A história pessoal de cada um e de cada uma vem a tona, e se emparenta com as histórias de vida dos outros presentes. A saída da roça ou da cidade pequena para a grande cidade, para a periferia urbana, com a conseqüente sensação de perda de identidade, são sentimentos comuns aos migrantes no Brasil e em qualquer parte do mundo.
Mudam os costumes, deixo de ser alguém inserido numa trama de relações habituais, para passar a ser algo estranho, um desenraizado, uma alma penada, como diz Adalberto Barreto em “As dores da alma dos excluídos no Brasil”. Quando passo a fazer parte da roda da terapia, começa a se costurar a minha própria história, ela ganha coerência e consistência. Já não sou mais um João ninguém.
Outros pronunciam meu nome uma vez à semana, ao menos. São lembrados os aniversários, canta-se e dança-se juntos. Muitas donas de casa que não saiam das suas casas, vêem outras pessoas, sorriem, encontram um sentido maior no seu viver, do que meramente atenderem marido e filhos que, muitas vezes, tem suas próprias vidas à margem da delas.
Aposentados que apenas viviam à espera da morte, recuperam a alegria de viver, brincam, contam chistes, dançam nas rodas e entoam orações com crianças, com jovens, com estudantes e doutores da universidade e técnicos em saúde, agentes comunitários, etc. A integração funciona para todos, para os de baixo e os do meio, na verdade, uns e outros geram uma mandala giratória, em que ninguém sabe quem é o outro.
Apenas um igual, alguém que como eu se perdeu ou se perde ainda, e se reencontra. Assim, a inclusão funciona para dentro e para fora da pessoa. Eu me incluo na medida em que me sinto incluído numa história comum, numa fala comum em que me reconheço. Neste sentido, inclusão e integração, funcionam quase como sinônimos.
Os estudantes e doutores, médicos e professores, por sua vez, quebram a barreira do isolamento que a educação superior produz com freqüência, e se redescobrem gente, apenas gente. Nestas rodas, se processam momentos de encontro das pessoas consigo mesmas, motivo pelo qual pode se dizer, como conclusão destas breves considerações, que a terapia comunitária é uma ferramenta de inclusão social.
domingo, 24 de janeiro de 2010
A Terapia Comunitária na dependência dos Benzodiazepínicos: experiência do NASF Céu Azul-Camaragibe, PE
Jandira Saraiva*
Gostaria de informar, relatar, as experiências que estão acontecendo no município de Camaragibe (PE), todas ligadas ao Territorio III , sob a supervisão do NASF Céu Azul, desde julho de 2009. Estamos implantando, através das Unidades de PSF, grupos de usuários dependentes de Benzodiazepínicos (Há pessoas que usam há mais de 25 anos...), com utilização da Terapia Comunitária e sua filosofia.
Introduzir idéias novas, que vão requerer a participação dos comunitários no próprio tratamento, saindo do lugar passivo, de apenas tomadores de remédios da tarja preta, como se fossem "Mágicos", é um grande desafio. Significa, como propõe a TC, ir paulatinamente oferecendo espaço de acolhimento e principalmente de "escuta" respeitosa, interessada, atenta, permitindo a compreensão dentro de cada um, de que eles podem usar as palavras, o falar, para não deixar o corpo falar por eles, doentemente.
É um trabalho lento, pois implica em mudanças de posturas, de visão do mundo, de reconhecimento de qualidades, e que nem sempre é necessario ter " o anel" para coordenar um grupo,já que todos têm condições de trocar,de ensinar e aprender.
Notamos pequenas mudanças, já: o medo de ficar sem o medicamento caiu bastante; a consciência de que há alternativas, como a fitoterapia e exercícios, se mostra presente. E, o que consideramos fundamental, evidencia-se: a gradativa conscientização de que as mudanças devem também partir dos usuários; a confiança em que há caminhos na propia comunidade; a cooperação das Igrejas Evangelicas e Católicas, faltando ainda os Centros Kardecistas.
Mas isso ainda é pouco, face a multiplicidade dos problemas detectados, entre eles: abuso sexual, violência domestica, gravidez precoce etc. Assim pensando, o NASF III está articulando uma reunião entre o Ministerio Publico (Dr GilbertoLúcio, MP-PE e ABEAD) e a Promotora de Camaragibe, com a intenção de reciclar os conselheiros e dar-lhe a consciência de sua missão.
Todos esse fatos e buscas, estão ligadas à TC, à filosofia que a norteia, à pratica das dinâmicas e ao favorecimento da integração de diferentes colaboradores, que ela permite e que muito nos cativa.
O desejo de que outras experiências deste tipo possam surgir já, nos motiva a divulgar este informe sobre os primeiros meses do nosso trabalho, firmando o compromisso de seguir divulgando seus passos.
*Jandira Saraiva - Psiquiatra, Nasf III, Camaragibe PE; Terapeuta Comunitária (SENAD, 2006)"
Gostaria de informar, relatar, as experiências que estão acontecendo no município de Camaragibe (PE), todas ligadas ao Territorio III , sob a supervisão do NASF Céu Azul, desde julho de 2009. Estamos implantando, através das Unidades de PSF, grupos de usuários dependentes de Benzodiazepínicos (Há pessoas que usam há mais de 25 anos...), com utilização da Terapia Comunitária e sua filosofia.
Introduzir idéias novas, que vão requerer a participação dos comunitários no próprio tratamento, saindo do lugar passivo, de apenas tomadores de remédios da tarja preta, como se fossem "Mágicos", é um grande desafio. Significa, como propõe a TC, ir paulatinamente oferecendo espaço de acolhimento e principalmente de "escuta" respeitosa, interessada, atenta, permitindo a compreensão dentro de cada um, de que eles podem usar as palavras, o falar, para não deixar o corpo falar por eles, doentemente.
É um trabalho lento, pois implica em mudanças de posturas, de visão do mundo, de reconhecimento de qualidades, e que nem sempre é necessario ter " o anel" para coordenar um grupo,já que todos têm condições de trocar,de ensinar e aprender.
Notamos pequenas mudanças, já: o medo de ficar sem o medicamento caiu bastante; a consciência de que há alternativas, como a fitoterapia e exercícios, se mostra presente. E, o que consideramos fundamental, evidencia-se: a gradativa conscientização de que as mudanças devem também partir dos usuários; a confiança em que há caminhos na propia comunidade; a cooperação das Igrejas Evangelicas e Católicas, faltando ainda os Centros Kardecistas.
Mas isso ainda é pouco, face a multiplicidade dos problemas detectados, entre eles: abuso sexual, violência domestica, gravidez precoce etc. Assim pensando, o NASF III está articulando uma reunião entre o Ministerio Publico (Dr GilbertoLúcio, MP-PE e ABEAD) e a Promotora de Camaragibe, com a intenção de reciclar os conselheiros e dar-lhe a consciência de sua missão.
Todos esse fatos e buscas, estão ligadas à TC, à filosofia que a norteia, à pratica das dinâmicas e ao favorecimento da integração de diferentes colaboradores, que ela permite e que muito nos cativa.
O desejo de que outras experiências deste tipo possam surgir já, nos motiva a divulgar este informe sobre os primeiros meses do nosso trabalho, firmando o compromisso de seguir divulgando seus passos.
*Jandira Saraiva - Psiquiatra, Nasf III, Camaragibe PE; Terapeuta Comunitária (SENAD, 2006)"
domingo, 17 de janeiro de 2010
Adalberto Barreto: Terapia Comunitária
Entrevista com Adalberto Barreto, no site da rede Nacional de Mobilização Social
Basta colar o link na barra de navegação e clikar
http://www.coepbrasil.org.br/portal/publico/apresentarConteudo.aspx?CODIGO=C200832920140625&TIPO_ID=3
Basta colar o link na barra de navegação e clikar
http://www.coepbrasil.org.br/portal/publico/apresentarConteudo.aspx?CODIGO=C200832920140625&TIPO_ID=3
Terapia Comunitária: Publicações
GUIMARÃES, F. J.; FERREIRA FILHA, M. O. REPERCUSSÕES DA TERAPIA COMUNITÁRIA NO COTIDIANO DE SEUS PARTICIPANTES. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 08, n. 03, p. 404 - 414, 2006. Disponível em http://www.fen.ufg.br/revista/revista8_3/v8n3a11.htm
HOLANDA, V.R.; DIAS, M. D.; FERREIRA FILHA, M.O.; CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COMUNITÁRIA PARA O ENFRENTAMENTO DAS INQUIETAÇÕES DAS GESTANTES. Revista Eletrônica de Enfermagem, v.09, n.01, p 79-92, 2007. Disponível em http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n1/v9n1a06.htm
ROCHA, I. A.; BRAGA, L. A. V.; TAVARES, L. M.; ANDRADE, F. B.; FERREIRA FILHA, M. O.; DIAS, M.D.; SILVA, A. O.; A TERAPIA COMUNITÁRIA COMO UM NOVO INSTRUMENTO DE CUIDADO PARA SAÚDE MENTAL DO IDOSO. Rev. bras. enferm. vol.62 no.5 Brasília Sept./Oct. 2009. doi: 10.1590/S0034-71672009000500006. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000500006&lng=en&nrm=iso
HOLANDA, V.R.; DIAS, M. D.; FERREIRA FILHA, M.O.; CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COMUNITÁRIA PARA O ENFRENTAMENTO DAS INQUIETAÇÕES DAS GESTANTES. Revista Eletrônica de Enfermagem, v.09, n.01, p 79-92, 2007. Disponível em http://www.fen.ufg.br/revista/v9/n1/v9n1a06.htm
ROCHA, I. A.; BRAGA, L. A. V.; TAVARES, L. M.; ANDRADE, F. B.; FERREIRA FILHA, M. O.; DIAS, M.D.; SILVA, A. O.; A TERAPIA COMUNITÁRIA COMO UM NOVO INSTRUMENTO DE CUIDADO PARA SAÚDE MENTAL DO IDOSO. Rev. bras. enferm. vol.62 no.5 Brasília Sept./Oct. 2009. doi: 10.1590/S0034-71672009000500006. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672009000500006&lng=en&nrm=iso
sábado, 9 de janeiro de 2010
Os valores na formação do terapeuta comunitário
Na terapia comunitária, a pessoa se reencontra com o que ela é, com seu ser mais profundo. Quando você começa a participar das rodas da terapia, você percebe que não está só nem isolado, que a sua história não está solta nem você desgarrado. A sua vinda para a cidade, se você veio do interior ou de outro estado ou, ainda, de outro país, é um caminho que muitas pessoas na roda fizeram. Aos poucos, você vai se sentindo mais coeso, mais integrado, mais parte de um todo. Esse todo é você mesmo, a pessoa que você é. A soma de pequenos e não tão pequenos atos e decisões, fatos da sua família e do seu povo, da sua cultura e das situações que você passou para chegar aonde está, para vir a ser quem você é.
Como foi escolhido o seu nome, qual dos filhos ou filhas da sua família você é, como foi o seu nascimento, todos são fatos que compõem essa diversidade conflitante ou não, em movimento, em perpétua reorganização, que cada um de nós é, que todas as pessoas são. Na formação como terapeuta comunitário, cada um de nós da um mergulho profundo na sua história, nas suas raízes, na caminhada que o fez chegar a ser quem é e a estar aonde está.
Muitas vezes na primeira roda, a primeira vez que comparece a uma terapia comunitária, a pessoa descobre que ela não é a única que sofre dessa dor ou que passa por essa dificuldade que lhe tira o sono, que a faz sentir alguém sem um lugar. Na primeira intervisão dos terapeutas comunitários formados em Salto, Uruguay, em novembro de 2009, tive a oportunidade de ouvir a história de um homem que entrou na roda da terapia comunitária, na sua cadeira de rodas, e saiu aliviado, dizendo: “Eu achava que eu fosse o único”.
Quando você descobre que a sua dor não é a maior do mundo, que a sua perda, a dor que você acarretou durante anos, o não gostar de si mesmo ou de si mesma, que lhe foi inculcado por circunstâncias que você aprende a decodificar e compreender, ou por situações perante as quais você foi forçado a se submeter sem poder reagir para preservar a sua identidade, você começa a fazer o caminho de volta.
Se diz que a terapia comunitária é integrativa e sistêmica. Integrativa, porque a pessoa passa se perceber como uma unidade, não mais como um pedaço ou fragmento. Sistêmica, porque a sua vida, a sua história, as coisas em que cada um de nós crê e que nos dão razão e sentido para viver, são comuns a um povo e a uma cultura. Na formação do mesmo grupo de terapeutas comunitários do Uruguay, em julho de 2009, tive a oportunidade de intervir, com os conteúdos sobre "os valores na formação do terapeuta comunitário". Lembro como se fosse agora, as expressões nos rostos dos participantes da formação. A alegria de se saberem partes de uma história, descobridores e descobridoras de si mesmos.
Na ocasião, entre outras coisas, se falava do lugar e do papel de cada um e de cada uma na vida, o lugar que cada um e cada uma ocupam, lugar insubstituível. Em outra formação, no interior da Paraíba, na cidade de Souza, uma formanda expressava com veemência: Eu sou o que eu sou, e não o que os outros querem que eu seja. Essa expressão, seu profundo significado, vão trazendo você de volta.
Quando fui para o Uruguay em 2005 pela primeira vez, participei de uma sensibilizaçaão em terapia comunitária na Universidad de la República, na Faculdade de Enfermagem. Nessa oportunidade, por primeira vez na minha vida me encontrei com um grupo de pessoas que tinham sobrevivido, como eu, a uma ditadura. Ouvia as histórias de todos e de todas, e aos poucos a minha história foi ganhando um outro significado, uma outra solidez e consistência.
Isto ocorre nas rodas da terapia. Na história do outro, me reconheço. Essa história evoca a minha própria história. É o que se chama de escuta ativa, uma das ferramentas do terapeuta comunitário. E vou deixando por aqui, na expectativa de ter atiçado a sua curiosidade, querido leitor ou leitora, para vir a fazer parte dessa roda, caso já não o faça.
Como foi escolhido o seu nome, qual dos filhos ou filhas da sua família você é, como foi o seu nascimento, todos são fatos que compõem essa diversidade conflitante ou não, em movimento, em perpétua reorganização, que cada um de nós é, que todas as pessoas são. Na formação como terapeuta comunitário, cada um de nós da um mergulho profundo na sua história, nas suas raízes, na caminhada que o fez chegar a ser quem é e a estar aonde está.
Muitas vezes na primeira roda, a primeira vez que comparece a uma terapia comunitária, a pessoa descobre que ela não é a única que sofre dessa dor ou que passa por essa dificuldade que lhe tira o sono, que a faz sentir alguém sem um lugar. Na primeira intervisão dos terapeutas comunitários formados em Salto, Uruguay, em novembro de 2009, tive a oportunidade de ouvir a história de um homem que entrou na roda da terapia comunitária, na sua cadeira de rodas, e saiu aliviado, dizendo: “Eu achava que eu fosse o único”.
Quando você descobre que a sua dor não é a maior do mundo, que a sua perda, a dor que você acarretou durante anos, o não gostar de si mesmo ou de si mesma, que lhe foi inculcado por circunstâncias que você aprende a decodificar e compreender, ou por situações perante as quais você foi forçado a se submeter sem poder reagir para preservar a sua identidade, você começa a fazer o caminho de volta.
Se diz que a terapia comunitária é integrativa e sistêmica. Integrativa, porque a pessoa passa se perceber como uma unidade, não mais como um pedaço ou fragmento. Sistêmica, porque a sua vida, a sua história, as coisas em que cada um de nós crê e que nos dão razão e sentido para viver, são comuns a um povo e a uma cultura. Na formação do mesmo grupo de terapeutas comunitários do Uruguay, em julho de 2009, tive a oportunidade de intervir, com os conteúdos sobre "os valores na formação do terapeuta comunitário". Lembro como se fosse agora, as expressões nos rostos dos participantes da formação. A alegria de se saberem partes de uma história, descobridores e descobridoras de si mesmos.
Na ocasião, entre outras coisas, se falava do lugar e do papel de cada um e de cada uma na vida, o lugar que cada um e cada uma ocupam, lugar insubstituível. Em outra formação, no interior da Paraíba, na cidade de Souza, uma formanda expressava com veemência: Eu sou o que eu sou, e não o que os outros querem que eu seja. Essa expressão, seu profundo significado, vão trazendo você de volta.
Quando fui para o Uruguay em 2005 pela primeira vez, participei de uma sensibilizaçaão em terapia comunitária na Universidad de la República, na Faculdade de Enfermagem. Nessa oportunidade, por primeira vez na minha vida me encontrei com um grupo de pessoas que tinham sobrevivido, como eu, a uma ditadura. Ouvia as histórias de todos e de todas, e aos poucos a minha história foi ganhando um outro significado, uma outra solidez e consistência.
Isto ocorre nas rodas da terapia. Na história do outro, me reconheço. Essa história evoca a minha própria história. É o que se chama de escuta ativa, uma das ferramentas do terapeuta comunitário. E vou deixando por aqui, na expectativa de ter atiçado a sua curiosidade, querido leitor ou leitora, para vir a fazer parte dessa roda, caso já não o faça.
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